Eu e a Mari terminamos de ver neste final de semana a série "A Sete Palmos". A indicação tinha sido do Zeca Moreira da Silva Filho.
O trabalho é surpreendente e merece ser visto.
Segue comentários do Zeca que retirei do blog do PPGD da Unisinos.
Six Feet Under ou “A Sete Palmos” é uma série produzida pela HBO, que foi ao ar em 2001 e terminou na quinta temporada, em 2005. A série foi criada pelo genial Alan Ball, o mesmo roteirista de Beleza Americana.
Na última quinta-feira, finalmente acabei de assistir a série toda (em Porto Alegre, pode ser locada na Espaço Vídeo) e confesso que fiquei realmente extasiado. Foi um dos mais belos trabalhos que já tive a oportunidade de ver nas telas. Impecável, do início ao fim. E que fim! E que começo!
O primeiro episódio começa com a morte de Nathaniel Fisher (Richard Jenkins), dono de uma casa funerária, casado e pai de três filhos (dois homens e uma mulher). A morte do pai e marido atinge em cheio os membros da família, que irão externar sua dor ao longo dos episódios subseqüentes. Nate, o filho mais velho, protagonizado de modo muito autêntico pelo ator Peter Krause, havia saído de casa há muitos anos atrás, tendo ido morar em Seattle, exatamente para fugir do destino de se tornar o seu pai (de quem possui o mesmo nome). Tal destino significava tornar-se diretor funerário e casar-se com uma mulher com quem teria poucas afinidades, coisas que acaba por fazer ao longo da série. Ao retornar à casa na qual foi criado, a mesma na qual funciona a funerária Fisher & Sons, para passar o Natal com a família, Nate é surpreendido com a morte do pai. E, confrontando o destino do qual fugia (muito mais por medo irracional do que por opção refletida), acaba cedendo aos apelos de sua mãe e torna-se diretor funerário.
David, o irmão mais novo, intensamente vivido pelo ator Michael C. Haal, o mesmo que faz o personagem principal da série Dexter, é o filho mais novo de Nathaniel e Ruth Fisher. É um personagem riquíssimo que, ao longo da sua vida habituou-se a esconder suas emoções por trás do formalismo e da seriedade bem-comportada. É ele quem coordena a funerária de modo meticuloso e eficiente (fazendo o papel que a sua mãe exerce na casa e na família em relação à funerária, departamento no qual Ruth não ousa adentrar). No entanto, por trás desta máscara de auto-controle, organização e bom-mocismo, pulsa um irrefreado desejo de viver e uma intensa sexualidade, voltada para pessoas do mesmo sexo. Especialmente ao longo da primeira temporada, David entra em profundo conflito com relação a esses dois lados, dividindo-se entre o amor que sente por Keith Charles (Mathew Patrick), um policial negro e gay, e a culpa cristã que o persegue nos cultos religiosos dos quais participa assiduamente. O seriado mostrará, em seu desenrolar, que o conflito de David vai bem além da questão homoafetiva, desnudando uma pessoa frágil, sensível e intensamente humana.
Todos os personagens se transformam ao longo da série, mas, sem dúvida, a que experimenta de modo mais visível as metamorfoses da vida é a caçula da família, Claire Fisher, em interpretação totally convincing da atriz Lauren Ambrose. Tais metamorfoses se tornam patentes no próprio corpo da atriz, gordinha nas três primeiras temporadas e magra nas duas últimas. A série se inicia quando Claire está cursando o College, onde ela se destaca tanto pela sua inteligência e senso crítico como pela sua imaturidade emocional, como ocorre, aliás, com adolescentes sensíveis em geral.
Ruth Fisher, a mãe, vivida de modo magistral pela veterana atriz Frances Conroy, é a imagem do sacrifício e da busca eterna de afeto e atenção, em uma família dividida entre a contenção dos gestos e das emoções, mainstream da casa funerária, e o apelo irresistível da vida que não conhece represas. Creio que é a personagem mais solitária da série, sempre em busca de alguém para ser útil e, ao mesmo tempo, sempre fugindo da sensação de ter que cuidar de alguém, alternando casos e mais casos amorosos, inclusive durante o seu casamento com Nathaniel.
Além desses personagens fantásticos, que integram a Fisher Family, a série conta ainda com um time de peso de personagens e atores secundários: a charmosa, mordaz e sedutora Brenda Chenowith, o par romântico de Nate, interpretada pela atriz Rachel Griffiths; o talentoso embalsamador da funerária, ensinado e treinado por Nathaniel desde que era apenas um garoto, o mexicano Rico Diaz (Freddy Rodrigues); o “machão-gay” Keith, par de David; além de tantos outros que vem e vão ao longo dos episódios (os namorados de Ruth e Claire, por exemplo).
Nunca vi o tema da morte ser tão bem tratado na televisão como neste seriado. É um banho de humanidade, de reconhecimento da grandeza da vida em sua finitude. Todo o episódio começa com alguma morte, não poupando o telespectador dos detalhes e das cenas de cadáveres, enterros e embalsamamentos. Um pequeno documentário que aparece no último disco da última temporada mostra como os diretores funerários estadunidenses ficaram encantados com a série. Um deles disse que, antes do seriado, quando perguntado sobre o que fazia, o seu interlocutor ficava constrangido e com um indisfarçável sorriso amarelo, e que, após o grande sucesso da série, as pessoas passaram a ficar curiosas e a perguntar mais sobre o seu ofício. Alan Ball afirma em uma das entrevistas que acompanha os boxes da série que a razão que o levou a tocar em frente o projeto foi uma experiência pessoal: a morte de sua irmã. Ele disse que não quis encarar a morte dela quando esta ocorreu, não chorou, racionalizou, evitou, não falou mais, tornou tudo aquilo invisível, e que só após 20 anos foi capaz de chorar, um pranto incontrolável, caudaloso, copioso. Foi aí que ele se deu conta de que uma pessoa só começa realmente a viver a sua vida quando aceita a sua mortalidade.
Six Feet Under trata com autenticidade, intensidade e delicadeza temas como o homossexualismo (David e Keith), a traição (Brenda e Nate), a loucura (George, um dos namorados de Ruth e Billy, o irmão de Brenda), as drogas (toda a família, mas especialmente Claire), o incesto (Billy e Brenda), a adoção, o racismo (brancos, negros e latinos), a violência, a política (declaradamente anti-Bush, mas sem estigmatizar os republicanos, visto que até a democrata Claire acaba namorando sério com um republicano convicto, que, apesar disso, é muito gente-boa), a solidão, o misticismo (a irmã “pode crer” de Ruth Fisher), e tantos outros temas importantes.
Os personagens são humanos, demasiadamente humanos, ora ficam bem, ora ficam mal, ora superam seus medos, ora caem neles novamente. Os mortos fazem parte, literalmente do mundo dos vivos. Várias das mortes que adentram a Fisher & Sons no começo de cada episódio interagem com os dramas dos personagens, que, não raro, dialogam com os mortos, e que neles projetam os seus próprios pensamentos. Uma presença sempre constante e irreverente é a de Nathaniel, agradavelmente representado por Richard Jenkins. Tão surpreendente e auspiciosa quanto a eleição de Barack Obama para a Casa Branca é o fato de um seriado como este ter sido produzido nos Estados Unidos, e ter sido um sucesso de público e de premiações (Emmys e Globos de Ouros).
Ao final, no episódio Everybody is waiting, um dos melhores últimos capítulos que já vi na vida, prevalece a frase-tema da quinta temporada: “Everything, Everyone, Everywhere ends”. Ou como diria Caetano Veloso, na canção Nine out of ten : “Know that one day I must die, I’m alive” (Zeca, 08/11/2008).
Na última quinta-feira, finalmente acabei de assistir a série toda (em Porto Alegre, pode ser locada na Espaço Vídeo) e confesso que fiquei realmente extasiado. Foi um dos mais belos trabalhos que já tive a oportunidade de ver nas telas. Impecável, do início ao fim. E que fim! E que começo!
O primeiro episódio começa com a morte de Nathaniel Fisher (Richard Jenkins), dono de uma casa funerária, casado e pai de três filhos (dois homens e uma mulher). A morte do pai e marido atinge em cheio os membros da família, que irão externar sua dor ao longo dos episódios subseqüentes. Nate, o filho mais velho, protagonizado de modo muito autêntico pelo ator Peter Krause, havia saído de casa há muitos anos atrás, tendo ido morar em Seattle, exatamente para fugir do destino de se tornar o seu pai (de quem possui o mesmo nome). Tal destino significava tornar-se diretor funerário e casar-se com uma mulher com quem teria poucas afinidades, coisas que acaba por fazer ao longo da série. Ao retornar à casa na qual foi criado, a mesma na qual funciona a funerária Fisher & Sons, para passar o Natal com a família, Nate é surpreendido com a morte do pai. E, confrontando o destino do qual fugia (muito mais por medo irracional do que por opção refletida), acaba cedendo aos apelos de sua mãe e torna-se diretor funerário.
David, o irmão mais novo, intensamente vivido pelo ator Michael C. Haal, o mesmo que faz o personagem principal da série Dexter, é o filho mais novo de Nathaniel e Ruth Fisher. É um personagem riquíssimo que, ao longo da sua vida habituou-se a esconder suas emoções por trás do formalismo e da seriedade bem-comportada. É ele quem coordena a funerária de modo meticuloso e eficiente (fazendo o papel que a sua mãe exerce na casa e na família em relação à funerária, departamento no qual Ruth não ousa adentrar). No entanto, por trás desta máscara de auto-controle, organização e bom-mocismo, pulsa um irrefreado desejo de viver e uma intensa sexualidade, voltada para pessoas do mesmo sexo. Especialmente ao longo da primeira temporada, David entra em profundo conflito com relação a esses dois lados, dividindo-se entre o amor que sente por Keith Charles (Mathew Patrick), um policial negro e gay, e a culpa cristã que o persegue nos cultos religiosos dos quais participa assiduamente. O seriado mostrará, em seu desenrolar, que o conflito de David vai bem além da questão homoafetiva, desnudando uma pessoa frágil, sensível e intensamente humana.
Todos os personagens se transformam ao longo da série, mas, sem dúvida, a que experimenta de modo mais visível as metamorfoses da vida é a caçula da família, Claire Fisher, em interpretação totally convincing da atriz Lauren Ambrose. Tais metamorfoses se tornam patentes no próprio corpo da atriz, gordinha nas três primeiras temporadas e magra nas duas últimas. A série se inicia quando Claire está cursando o College, onde ela se destaca tanto pela sua inteligência e senso crítico como pela sua imaturidade emocional, como ocorre, aliás, com adolescentes sensíveis em geral.
Ruth Fisher, a mãe, vivida de modo magistral pela veterana atriz Frances Conroy, é a imagem do sacrifício e da busca eterna de afeto e atenção, em uma família dividida entre a contenção dos gestos e das emoções, mainstream da casa funerária, e o apelo irresistível da vida que não conhece represas. Creio que é a personagem mais solitária da série, sempre em busca de alguém para ser útil e, ao mesmo tempo, sempre fugindo da sensação de ter que cuidar de alguém, alternando casos e mais casos amorosos, inclusive durante o seu casamento com Nathaniel.
Além desses personagens fantásticos, que integram a Fisher Family, a série conta ainda com um time de peso de personagens e atores secundários: a charmosa, mordaz e sedutora Brenda Chenowith, o par romântico de Nate, interpretada pela atriz Rachel Griffiths; o talentoso embalsamador da funerária, ensinado e treinado por Nathaniel desde que era apenas um garoto, o mexicano Rico Diaz (Freddy Rodrigues); o “machão-gay” Keith, par de David; além de tantos outros que vem e vão ao longo dos episódios (os namorados de Ruth e Claire, por exemplo).
Nunca vi o tema da morte ser tão bem tratado na televisão como neste seriado. É um banho de humanidade, de reconhecimento da grandeza da vida em sua finitude. Todo o episódio começa com alguma morte, não poupando o telespectador dos detalhes e das cenas de cadáveres, enterros e embalsamamentos. Um pequeno documentário que aparece no último disco da última temporada mostra como os diretores funerários estadunidenses ficaram encantados com a série. Um deles disse que, antes do seriado, quando perguntado sobre o que fazia, o seu interlocutor ficava constrangido e com um indisfarçável sorriso amarelo, e que, após o grande sucesso da série, as pessoas passaram a ficar curiosas e a perguntar mais sobre o seu ofício. Alan Ball afirma em uma das entrevistas que acompanha os boxes da série que a razão que o levou a tocar em frente o projeto foi uma experiência pessoal: a morte de sua irmã. Ele disse que não quis encarar a morte dela quando esta ocorreu, não chorou, racionalizou, evitou, não falou mais, tornou tudo aquilo invisível, e que só após 20 anos foi capaz de chorar, um pranto incontrolável, caudaloso, copioso. Foi aí que ele se deu conta de que uma pessoa só começa realmente a viver a sua vida quando aceita a sua mortalidade.
Six Feet Under trata com autenticidade, intensidade e delicadeza temas como o homossexualismo (David e Keith), a traição (Brenda e Nate), a loucura (George, um dos namorados de Ruth e Billy, o irmão de Brenda), as drogas (toda a família, mas especialmente Claire), o incesto (Billy e Brenda), a adoção, o racismo (brancos, negros e latinos), a violência, a política (declaradamente anti-Bush, mas sem estigmatizar os republicanos, visto que até a democrata Claire acaba namorando sério com um republicano convicto, que, apesar disso, é muito gente-boa), a solidão, o misticismo (a irmã “pode crer” de Ruth Fisher), e tantos outros temas importantes.
Os personagens são humanos, demasiadamente humanos, ora ficam bem, ora ficam mal, ora superam seus medos, ora caem neles novamente. Os mortos fazem parte, literalmente do mundo dos vivos. Várias das mortes que adentram a Fisher & Sons no começo de cada episódio interagem com os dramas dos personagens, que, não raro, dialogam com os mortos, e que neles projetam os seus próprios pensamentos. Uma presença sempre constante e irreverente é a de Nathaniel, agradavelmente representado por Richard Jenkins. Tão surpreendente e auspiciosa quanto a eleição de Barack Obama para a Casa Branca é o fato de um seriado como este ter sido produzido nos Estados Unidos, e ter sido um sucesso de público e de premiações (Emmys e Globos de Ouros).
Ao final, no episódio Everybody is waiting, um dos melhores últimos capítulos que já vi na vida, prevalece a frase-tema da quinta temporada: “Everything, Everyone, Everywhere ends”. Ou como diria Caetano Veloso, na canção Nine out of ten : “Know that one day I must die, I’m alive” (Zeca, 08/11/2008).
"Foi aí que ele se deu conta de que uma pessoa só começa realmente a viver a sua vida quando aceita a sua mortalidade."
ResponderExcluir"Os mortos fazem parte, literalmente do mundo dos vivos. "
É isso, amigo. Nossa humanidade imperfeita talvez seja nossa fraqueza; penso que é muito mais a nossa força, pela capacidade de transcendermos e de estarmos mesmo com quem não esteja mais entre nós!
Grande abraço,
Geraldo Prado
Parabéns excelente análise.
ResponderExcluirAmarei essa série pra sempre, me fez refletir, sobre várias coisas.
Os artistas foram muito bem escolhidos.
Não havia bem e mal , certo ou errado...viamos pessoas tentando levar suas vidas.
Destaco as atuações dos atores que interpretaram o Billy, David e Ruth....maravilhosos!!!
Olá,
ResponderExcluirDepois de tanto tempo do post não sei se vai ler minha mensagem, mas assistindo ao final de ste palmos de terra, fiquei sem saber o sentido da frase que o Nate fala ao ouvido de Claire, quando ela esta fotografando a família, coisa de tipo, "porque os fotografa, já não estão mais aqui" Você sabe me dizer o que significou aquilo? Obrigada pela atenção
A nova séria Vice Principals hbo é uma excelente série, nos primeiros minutos demonstram ser uma proposta bastante divertida, louca e com um tom cômico e muito agradáel. Só espero que de verdade consigam cumprir as expectativas e que os 18 episódios tenham sido planejados para cubrir as expectatias do espectador. Parece ser uma boa proposta.
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