Na quase totalidade das entrevistas que dei para jornais ou para revistas o conteúdo da fala foi alterado ou mutilado.
Nos debates no rádio ou na televisão, normalmente são contrapostas duas posições, o que sempre gera um debate histérico e sem substância, com único objetivo de conquistar a simpatia do público - ou seja, populismo auto-promocional.
Gosto da sala de aula, lugar onde é possível desenvolver o raciocínio e dialogar e pensar junto com os alunos.
Sequer de palestras tenho participado. Grandes públicos não me convencem. Prefiro workshops.
Mas de vez em quando o cara acaba baixando a guarda e aceita alguns convites. Acontece, infelizmente acontece.
Bueno. Há um mês eu estava no aeroporto de Brasília aguardando o embarque para a Província quando recebi um e-mail de um repórter da Revista Época. Pedia autorização para me ligar. Queria fazer uma entrevista sobre a política criminal de drogas no Brasil.
Um dos meus temas de pesquisa acadêmica..., resolvi fazer a entrevista.
Mas perguntei se poderia ser por e-mail: "você me envia as perguntas e eu respondo". Fiz a proposta com o receio de que ocorresse o que já havia ocorrido em outros momentos. O jornalista aceitou.
Disponibilizo o conteúdo do e-mail ("o dito") e o que foi registrado ("o publicado") no periódico nesta semana - em negrito as perguntas e na sequência as respostas.
Ao menos a entrevista não foi distorcida, como ocorreu em outros momentos.
Entrevista
A criação da Lei 11.343 em substituição à Lei 6368 trouxe algum avanço? Qual(s)? Desde o meu ponto de vista, a Lei 11.343 trouxe um importante avanço: vedar a pena privativa de liberdade ao usuário. Trata-se de um dispositivo novo, inédito na história político-criminal brasileira. Além de proibir a prisão, estabelece penas alternativas ou educativas como sanção.
Neste aspecto a Lei se aproxima das reformas nas Legislações de Drogas de Portugal, Espanha e Itália - embora estas tenham descriminalizado o porte para uso pessoal (o que não ocorreu no Brasil) e determinado sanções administrativas, como multa, proibição de direção etc. No entanto, de forma equivocada, aumentou o tempo mínimo para aqueles rotulados como traficantes (de 03 para 05 anos, o mínimo da pena).
O senhor poderia citar e comentar as falhas da lei (falta de critérios claros para diferenciar o usuário do traficante, fato de a lei não levar em conta a hierarquia do tráfico, o parágrafo 4 do artigo 33, entre outros)? O grande problema é que as 05 condutas previstas como "porte" no artigo 28 (adquirir, guardar, trazer consigo, ter em depósito e transportar) igualmente estão presentes no art. 33, que trata do tráfico. A Lei prevê para condutas idênticas duas qualificações totalmente diferenciadas - uso e tráfico, com consequências totalmente distintas. Qual a diferenciação, segundo a Lei? A finalidade da conduta: se for, p. ex., "porte para consumo pessoal", temos a previsão no art. 28; qualquer outra finalidade, tráfico (art. 33). E como é feita esta diferenciação? Como é feita esta prova? A lei irá mencionar uma série de circunstâncias abstratas como "local de apreensão", que dão uma carta em branco para a autoridade policial, gerando uma situação de extremo arbítrio - isto sem falar nas possibilidade de corrupção que tal situação jurídica gera na vida real. O paráfrago 4o do art. 33, fica condicionado às imputações prévias.
Segundo dados do Infopen (do Ministério da Justiça) no ano passado, do total de presos 23,4% foram enquadrados em tráfico. Tráfico é o tipo penal mais comum entre os detentos. Antes da Lei 11.343, roubo liderava. É possível estabelecer uma relação de causalidade entre o aumento de número de presos por tráfico e a criação da Lei 11.343? Os dados são mais assustadores em relação à população encarcerada feminina: 50% das mulheres presas no Brasil são por tráfico. E não imagine que há alguma "baronesa da droga" em nossos presídios - como se divulga. São mulheres pobres, em situação de vulnerabilidade, que realizam um pequeno comércio varejista. Não é possível afirmar objetivamente esta relação, mas os dados induzem esta conclusão. Além disso, é evidente nas agências estatais a colocação da 'guerra às drogas' como prioridade político-criminal. Ou seja, a 'guerra às drogas' pode ser vista como o carro-chefe das nossas políticas criminais.
Quais os pontos da lei levaram à esse aumento? O principal, a ausência de critérios objetivos que façam diferenciação entre usuário e traficante (como, p. ex., definição de quantidades como ocorre na Espanha) e as amplas margens de arbítrio que a Lei permite à Polícia.
Levantamento feito em 2008 por pesquisadores da UNB e UFRJ mostrou que a maior parte dos presos por tráfico são pessoas que dificilmente poderiam ser rotuladas como traficantes. (segue arquivo anexo). O senhor tem a mesma percepção? Quem é preso acusado de tráfico hoje no Brasil, na maioria, são usuários ou pequenos traficantes? Conheço a pesquisa. Li com atenção. Trata-se de um estudo muito sério, metodologicamente orientado, preciso cientificamente em termos de análise. As conclusões não me parecem ser nenhum pouco equivocadas, pelo contrário, reflete nossa triste realidade de encarceramento da juventude pobre vulnerável.
O senhor já defendeu muitos clientes presos por tráfico que são realmente inocentes ( e podem ser classificados de usuários)? O senhor poderia citar exemplos de casos? E quais as alegações, da polícia ou da justiça, para que a pessoa tenha sido acusada de tráfico? No tema minha atuação é acadêmica, sou Professor Adjunto do Departamento de Ciências Penais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e realizao estudos sobre a política criminal de drogas no Brasil desde 1994. Em 1996 defendi minha dissertação de mestrado sobre o assunto. Venho atualizando as pesquisa em meu livro "A Política Criminal de Drogas no Brasil", de 2010, em 5a edição. Mas tenho condições de afirmar que vemos inúmeros exemplos nos julgados dos Tribunais. E, conforme indiquei, os critérios são abertos e confusos, sem precisão. Veja o art. 28, § 2o ("para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente"). Esta redação, com critérios abertos, gera muito arbítrio e injustiças.
O que é preciso para melhorar a lei? Quais as soluções? Apoio a descriminalização do porte de droga para uso pessoal. Mas mesmo descriminalizando, necessitamos de critérios claros, que diminuam o arbítrio, como a definição de quantidades razoáveis para definir usuário, pequeno e médio traficante e tráfico qualificado. O melhor exemplo legislativo, conforme mencionei, é a Lei Espanhola, que define estes critérios.
Publicação
“A falta de regras claras estimula a corrupção do policial”, diz Salo de Carvalho, professor de ciências penais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Salo, poderias disponibilizar a pesquisa da UNB e da UFRJ que mencionam na entrevista?
ResponderExcluirAntônio
antonio, consegues em www.mj.gov.br/sal - no link do pensando o direito
ResponderExcluirCaralho Salo, tu nunca fica contente, o cara só deu uma abreviada... E outra, BAITA poder de síntese :)
ResponderExcluir"BAITA poder de síntese" rsrs Engraçado que a informação do nome e da qualificação profissional é maior do que a própria "citação"...
ResponderExcluirvesti la giubba...
ResponderExcluir"BAITA poder de síntese" rsrs, põe BAITA poder de síntese nisso!
ResponderExcluirnão li a matéria,porque procuro evitar a ingonrância instituída alienando-me dos produtos jornalísticos. pelo que ouvi falar, plágio rolando no texto, né? rsrsrs
ResponderExcluirque pouca vergonha a desses jornalistas -tsc, tsc, não dá para acreditar em nada mesmo / e em NINGUÉM -.-
PUTZ! Que "poder" de síntese, hein? Me fez lembrar aquela antiga contracapa da revista "MAD": conecta uma ponta com a outra e surge uma imagem diferente... Abraço.
ResponderExcluirReporter MITO!
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