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quinta-feira, 4 de abril de 2013

Ridiculum Vitae: sobre intempestivos pedidos de orientação acadêmica



Prezado acadêmico L. O. S. T.

Realmente não nos conhecemos.
Estou disposto a responder o teu e-mail em razão da quantidade de pedidos que recebo, semanalmente, de inúmeros estudantes de todo o Brasil, no sentido de “orientar” trabalhos (artigos, monografias, dissertações). Assim, este e-mail irá me poupar bastante tempo no futuro.
A forma e o conteúdo do teu e-mail me preocupam muito. E para além do fato de escreveres, pedindo auxílio, quase como se eu tivesse a obrigação de te ajudar, pelo simples fato de eu ser, na tua concepção, um “ilustre e renomado pesquisador” na área das Ciências Criminais – se me conhecesse minimamente saberia como desprezo este tipo de tratamento, pedante e servil.
As questões que me preocupam efetivamente são: primeiro, o fato de desconheceres absolutamente as minhas pesquisas sobre o tema que estás trabalhando e, mesmo assim, solicitar a minha “ajuda”; segundo, o fato de a pesquisa objetivar, exclusivamente, a publicação de um artigo.
Começo pelo segundo problema.
Nos meus anos de docência recebi inúmeros alunos com esta demanda: “professor, gostaria que o Sr. me ajudasse a escrever um artigo sobre o tema ‘fictício’, pois quero demonstrar ‘uma intuição qualquer que tive’. O Sr. poderia indicar alguma revista?”
A resposta (educada) para esta interpelação é a de que a publicação de um artigo (ou livro) deve ser a consequência de uma investigação desenvolvida sob a orientação de um professor pesquisador. Trata-se de uma patologia, decorrente da lógica gerencialista-quantitativa que impera na academia atual, que os estudantes (sobretudo de pós-graduação) tenham como finalidade primeira de um processo de investigação a publicação de um artigo.
Com todo o respeito, estás completamente equivocado. A tua demanda soa, para mim, como um exemplo típico de oportunismo acadêmico.
Uma publicação, repito, é um dos resultados de pesquisa. Não pode ser o fim primeiro de um trabalho acadêmico. Uma investigação séria deve ser realizada a partir de uma motivação sincera que nos impulsiona na tentativa de compreender um problema que nos toca, nos sensibiliza. A pesquisa acadêmica parte de um que nos perturba. A partir deste problema (), nos motivamos a levantar material sobre o tema, ler diversos trabalhos, buscar autores que enfrentam a questão, encarar o campo (realidade) para tentar compreender suas inúmeras variáveis.
Penso, portanto, se efetivamente queres a minha opinião, que não se inicia um trabalho “para publicar um artigo e demonstrar alguma coisa”; coisa esta que é uma conclusão pré-determinada. Este raciocínio é típico da lógica inquisitorial que motiva o julgador (ou o pesquisador) a manipular os fatos para comprovar uma hipótese – “primado das hipóteses sobre os fatos”, nas palavras de Cordero. Aliás, a tua autoproclamada posição “crítica” e “garantista” não estaria exatamente no sentido oposto ao raciocínio inquisitório que define metodologicamente a tua pretensão?
Note que esta fragilidade da tua demanda acaba sendo revelada no fato de não conheceres absolutamente nada do que eu produzi sobre o tema. Há mais de década escrevo sobre penas, prisões e punitivismo. Dê uma pesquisada no meu lattes e veja as publicações – aliás, registro acadêmico que tu e o teu professor orientador não possuem, pelo que pude notar no sítio do CNPq. Mais simples ainda: ouse perder 5 minutos do teu valioso tempo e consulte o meu blog e terás acesso às minhas publicações (quase todas). E depois de ‘consultar’ os meus textos (talvez ‘ler’ seja exigir demais), não me escreva novamente pedindo material. É só dar uma olhada na bibliografia que utilizei e verás os autores de referência que fundamentaram minha pesquisa. Não deve ser muito difícil compreender a lógica deste tipo de procedimento de pesquisa, não?
Sinceramente, fico assustado quando pessoas me pedem auxílio sem sequer se preocupar em saber se escrevi sobre o tema. Aliás, um efetivo diálogo acadêmico aconteceria se você, após ler os meus textos, escrevesse para mim para discutir alguma das minhas ideias (por mais equivocadas que sejam). É isso que se espera de um pesquisador.
Assim, sugiro, se efetivamente queres ser um "acadêmico", como proclamas na tua ‘missiva eletrônica’, que mudes radicalmente a tua postura e as tuas prioridades. Mas se queres apenas “mais uma” publicação no currículo, para fazer volume em uma eventual seleção de mestrado ou concurso público, delete este e-mail e siga as coordenadas traçadas pelo teu orientador.
Saudações acadêmicas

Salo de Carvalho

4 comentários:

  1. Excesso dos beijos que apareceram na mídia brasileira!

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  2. Seria "L.O.S.T." uma abreviatura trocadilho, vaticínio ou acaso?

    Abração

    Luiz Alberto

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  3. Fazer qualquer pesquisa envolve mais que a vontade de ter um título. O aluno precisa estar envolvido, buscar novas fontes bibliográficas e desenvolver ainda mais o que já foi escrito sobre o tema. A vontade suprema de fazer um excelente trabalho é realizada, quando há dedicação do aluno. Fiz mestrado e tenho minhas pesquisas para uma futura publicação. Tive muita sorte com a ótima orientação de um grande Professor.

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