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sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Criminologia, Crítica ao Direito Penal e Direito Penal Crítico II


Na II Jornada de Estudos Avançados em Criminologia, meu amigo Davi Tangerino - autor de Crime e Cidade -, durante sua palestra, mencionou que eu não consideria "Criminologia" o enfoque que ele estaria empregando na análise proposta.
Em realidade, esta afirmação advém dos debates posteriores que tivemos, via web, sobre sua tese de doutoramento defendida na USP (Apreciação Crítica dos Fundamentos da Culpabilidade a partir da Criminologia: Contribuições para um Direito Penal mais Ético), cuja banca de avaliação integrei.

A parte inicial do meu artigo Criminologia Cultural, Complexidade e as Fronteiras de Pesquisa nas Ciências Criminais, que será publicado no vol. 81 da RBCCrim, abordo esta tensão e os limites entre as ciências criminológica e dogmática. No texto, procuro repensar e amadurecer o debate com Davi, tendando deixar mais claro o que penso.

Breve exerto do artigo dá alguns indicativos:

"A recepção da teoria crítica pela criminologia projeta a necessidade de criação de mecanismos de mudança nos processos seletivos de criminalização, fato que na esfera jurídica ocorrerá em três níveis: crítica da política criminal, com a proposição de novos rumos criminalizadores e descriminalizadores; crítica aos fundamentos do direito penal (critica à dogmática); e crítica à aplicação do direito penal pelos operadores do direito (dogmática crítica).
Alessandro Baratta verifica que o momento de maturidade da criminologia crítica ocorre “(...) cuando el enfoque macrosociológico se desplaza del comportamiento desviado a los mecanismos de control social del mismo, y en particular al proceso de criminalización.” Assim, segundo o autor, “la Criminologia Crítica se transforma de ese modo más y más en una crítica del derecho penal.” (Baratta, Criminologia Crítica e Crítica del Derecho Penal, p. 167)
Pertinente, contudo, avaliar os efeitos do direcionamento da criminologia crítica à crítica do direito penal. A indagação versa sobre o refúgio criminológico na crítica da dogmática penal e o eventual esvaziamento da criminologia que, confundida com o direito penal crítico, é impedida de pensar criminologicamente problemas criminológicos. Em outros termos, o interrogante direciona-se à problematização de se não é de competência (exclusiva) da ciência dogmática assumir e realizar sua autocrítica.
O intuito da interrogação não é definir precisamente quais os limites existentes entre o saber penal e o saber criminológico. Seus objetos se confundem, o que torna fundamental a existência de campo comum de análise. A preocupação diz respeito ao fato de, invariavelmente, a crítica ao direito penal ser nominada como criminologia, dado que revela deslocamento do espaço de saber, incapacitando a dogmática de abertura mínima à autocrítica e à sua própria superação. A impressão é que a dogmática não permite em seu horizonte científico que seus pressupostos e sua instrumentalidade sejam postos em dúvida, necessitando o dogmático crítico refugiar-se em outro local (criminologia) para ultrapassar estes limites.
O processo de deslocamento realizado pela dogmática, remetendo a crítica a outro locus científico, é, inegavelmente, sintoma do seu fundamento metafísico, que não permite que as incertezas e a complexidade do mundo contemporâneo abalem sua sólida edificação (instrumentalidade) e seus valores universais (fundamentos). Veja-se, exemplificativamente, o pânico dogmático ao perceber que os operadores do direito, sobretudo julgadores, cada vez mais ignoram os postulados e as diretrizes científicas fornecidas pela teoria do direito penal face à distância entre este discurso e a realidade viva, embora seja o principal objetivo da dogmática definir guias para aplicação judicial do direito.
Neste quadro, e se este diagnóstico for efetivamente possível, fundamental que o direito penal crítico assuma seu local na qualidade de discurso dogmático, de forma a realizar, desde dentro, as necessárias desestabilizações, inclusive para superá-las. Outrossim, parece ainda aceitável (e importante), seguir no espaço comum de diálogo entre criminologia e dogmática jurídico-penal, a crítica aos valores fundacionais e ao projeto científico do direito penal moderno, de forma que o debate epistemológico possa, efetivamente, ser contemplado pela transdisciplinaridade."
[CARVALHO, Salo. Criminologia Cultural, Complexidade e as Fronteiras de Pesquisa nas Ciências Criminais. in Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 81, São Paulo, 2009, prelo]

RESUMO: A investigação problematiza as fronteiras do conhecimento e os saberes que compõem o campo transdisciplinar da pesquisa criminológica, propondo diagnóstico do atual estado da arte das ciências criminais. Ao ingressar no debate da criminologia pós-moderna, confronta esta perspectiva com a criminologia cultural e com as demais criminologias críticas, sobretudo o realismo marginal, com objetivo de testar novas formas de interpretação dos complexos fenômenos da violência, do crime e do desvio na contemporaneidade.
PALAVRAS-CHAVE: Criminologia Cultural, Investigação Criminológica, Epistemologia, Transdisciplinaridade

ABSTRACT: The present investigation challenges both the frontiers of knowledge and the contents that comprise the transdisciplinary field of criminological research, thus proposing a diagnosis of the current state of art of criminal sciences. By entering the debate of post-modern criminology, it confronts this perspective with cultural criminology and other critical criminologies, mainly marginal realism, with the objective of testing new ways of interpreting the complex phenomena of violence, crime and deviance in contemporaneity.
KEY WORDS: Cultural Criminology, Criminological Research, Epistemology, Transdisciplinar Studies

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