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sábado, 15 de janeiro de 2011

"O Uivo" e Outros Livros da City Lights Books

A dificuldade foi selecionar, pois estavam disponíveis todos os livros da geração beat. A editora City Lights possui os direitos autorais de praticamente todos os beatniks.
Alguns clássicos foram inevitáveis: "A Coney Island of the Mind", poemas de Ferlinghetti - traduzido no Brasil como "Um Parque de Diversão na Cabeça"; edições comemorativas de "Howl", Ginsberg; Kerouac e Corso. O velho safado Buk, logicamente.
Mas para além dos clássicos, um livro me chamou atenção: "Howl on Trial", de Morgan e Peters. O livro conta a história, para mim desconhecida, da criminalização do poema "O Uivo", de Ginsberg.
Presos em 1957 - Ferlinghetti, por editar a obra, e Murao, funcionário da City Lights, por vender -, o poema foi submetido à Corte de San Francisco sob a acusação de obscenidade. Na introdução de "Howl on Trial", Ferlinghetti escreve que imaginava a repercussão do poema quando recebeu o manuscrito de Ginsberg. Conforme narra, esperava reações não tanto pelo conteúdo sexual (especialmente homossexual), mas pela profunda crítica que o poema faz aos "elementos da sociedade moderna que são destruidores das melhores qualidades na natureza humana e das melhores 'cabeças'" - a citação é do depoimento de Mark Schorer, professor de literatura da Universidade de Berkeley, testemunha de defesa no referido processo.
No entanto, a acusação, obcecada pelo conteúdo sexual da obra e embriagada em pânico moral, concentrou-se nos elementos sexuais do texto.
Em outubro de 1957 os acusados são declarados inocentes da publicação e da venda de escritos obscenos: "Howl and Other Poems foi escrito sem intenção lasciva e sem importante conteúdo de desordem social", concluiu o juiz Clayton Horn.

     "Eu vi os expoentes da minha geração, destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus, arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa (...)
     que se arrebentassem nas suas mentes na prisão aguardando impossíveis criminosos de cabeça dourada e o encanto da realidade em seus corações que entoavam suaves blues de Alcatraz (...)
     que passaram por universidades com olhos frios e radiantes alucinando Arkansas e tragédias à luz de Blake entre os estudiosos da guerra ,
     que foram expulsos das universidades por serem loucos & publicarem odes obscenas nas janelas do crânio,
     que se refugiaram em quartos de paredes de pintura descascada em roupa de baixo queimando seu dinheiro em cestos de papel escutando o Terror através da parede (...)
     que reapareceram na Costa Oeste investigando o FBI de barba e bermudas com grandes olhos pacifistas e sensuais nas suas peles morenas, distribuindo folhetos ininteligíveis,
     que apagaram cigarros acesos nos seus braços protestando contra o nevoeiro narcótico de tabaco do Capitalismo,
     que distribuiram panfletos supercomunistas em Union Square, chorando e despindo-se enquanto as Sirenes de Los Alamos os afugentavam gemendo mais alto que eles e gemiam pela Wall Street e também gemia a balsa de Staten Island,
     que caíram em prantos em brancos ginásios desportivos, nus e trêmulos diante da maquinaria de outros esqueletos,
     que morderam policiais no pescoço e berraram de prazer nos carros de presos por não terem cometido outro crime a não ser sua transação pederástica e tóxica que uivaram de joelhos no metrô e foram arrancados do telhado sacudindo genitais e manuscritos (...)
     que exigiram exames de sanidade mental acusando o rádio de hipnotismo & foram deixados com sua loucura & e mãos & um júri suspeito, que jogaram salada de batata em conferencistas da Universidade de Nova Iorque sobre Dadaísmo e em seguida se apresentaram nos degraus de granito do manicômio com cabeças raspadas e fala de arlequim sobre suicídio, exigindo lobotomia imediata,
     e que em lugar disso receberam o vazio concreto da insulina metrazol choque elétrico hidroterapia psicoterapia terapia ocupacional pingue-pongue & amnésia,
     que num protesto sem humor viraram apenas uma mesa simbólica de pingue-pongue mergulhando logo a seguir na catatonia,

     voltando anos depois, realmente calvos exceto por uma peruca de sangue e lágrimas e dedos para a visível condenação de louco nas celas das cidades-manicômio do Leste,
     Pilgrim State, Rockland, Greystone, seus corredores fétidos, brigando com os ecos da alma, agitando-se e rolando e balançando no banco de solidão à meia-noite dos domínios de mausoléu druídico do amor, o sonho da vida um pesadelo, corpos transformados em pedras tão pesadas quanto a lua,
     com a mãe finalmente fodida e o último livro fantástico atirado pela janela do cortiço e a última porta fechada às 4 da madrugada e o último telefone arremessado contra a parede em resposta e o último quarto mobiliado esvaziado até a última peça de mobília mental, uma rosa de papel amarelo retorcida num cabide de arame do armário e até mesmo isso imaginário, nada mais que um bocadinho esperançoso de alucinação (...)" (trechos selecionados d'O Uivo, de Ginsberg).

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