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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Sobre Drogas, Ensino e Desresponsabilidades

O Dudu Jobim enviou o link de um fantástico episódio dos Simpsons que disponibilizo abaixo.
As questões que são colocadas há muito me incomodam e alguns autores têm tratado muito bem do tema que é o alto nível de medicalização das crianças e dos adolescentes nas instituições brasileiras, sobretudo escolas privadas e instituições para jovens em conflito com a Lei. Thomas Szasz - para mim um dos maiores críticos do saber psiquiatriátrico e em alguns momento superando, inclusive, Foucault - possui inúmeros livros sobre o tema, como "The Medicalization of Every Day Life" e "Coercion as Cure: A Critical History of Psychiatry".
No Brasil autores como Birman desenvolveram muito bem esta crítica - desde sua tese de Doutorado "A Psiquiatria como Discurso da Moralidade" aos textos que compõem os livros "Mal-Estar na Contemporaneidade" e "Arquivos do Mal-Estar".
A pergunta ingênua que pode ser feita é: qual o motivo do alto número de diagnósticos de déficit de atenção ou de hiperatividade em nossa juventude nos últimos anos?
Algumas questões anteriores parecem ser importantes pontuar antes de tentar explicar (não respoder) esta questão. 
A primeira, e mais evidente, é em relação à estrutura de ensino e de aprendizado. Nossas salas de aula são oitocentistas. O modelo de ensino que estrutura todas as instituições está completamente superado. O padrão de aula expositiva e monologada, na qual cabe ao aluno simplesmente esperar que o professor lhe transmita o conhecimento, é altamente questionável. Parte do pressuposto de que o aluno é um recipiente vazio que deve ser preenchido com conteúdo pelo professor .
A segunda questão é a da própria condição destas crianças que ao longo do tempo que estão na escola e na universidade vão se tornando adultos. O desenvolvimento intelectual e a descoberta da sexualidade (dentre outras formas de prazer) criam naturalmente nestes jovens um número infinito de questões - esta situação "faz questão",  no sentido psicanalítico do termo. Angústia, ansiedade, depressão, agitação, rebeldia são respostas mais do que esperadas, tornam-se necessárias para expor o desconforto com a nova condição e as novas expectativas que movem este pré-adulto.
A terceira questão é relativa ao avanço cientítico e tecnológico que vivemos e que a juventude atual incorporou desde o berço. Se as gírias eram importantes marcadores identitários da juventude, hoje esta linguagem tornou-se virtualizada, sem barreiras e atualizada instantaneamente.
Agora refaço a pergunta em outros termos: qual a possibilidade deste cyberjovem inquieto estar concentrado neste ambiente analógico que é a sala de aula?
Indago que se para mim, que cursei o segundo grau entre 1986 e 1988, o ambiente de sala de aula era pouco interessante, como pode ser para esta juventude que nasceu inserida na web?
Uma coisa não explica a outra, não se trata de uma relação causal-deterministas (todos sabem), mas é neste contexto que surgem os novos diagnósticos: déficit de atenção e hiperatividade.
Independente da existência ou não de um surto epidêmico de déficit de atenção ou de hiperatividade em nossas crianças e jovens, o diagnóstico gera efeitos muito reconfortantes na nossa ordem moral: a isenção das culpas, a transferência das responsabilidades.
É incrível como vejo como certas pessoas afirmam e valorizam este diagnóstico psiquiátrico (seu ou dos seus familiares). Alguns, inclusive, lutam para que o diagnóstico seja positivo.
Remeter o "problema" para o campo das doenças da alma fornece aos diretamente implicados uma "boa consciência". Isto porque tratar determinadas situações comportamentais problemáticas (sejam pequenos desvios ou rebeldias até graves crimes) como patologias permite que todos sejam desresponsabilizados. O problema é de outra ordem, advém de instâncias não governáveis, emerge de mecanismos incontroláveis.
Assim, o sujeito diagnosticado, seus amigos, seus familiares, seus professores, ou seja, toda a sociedade, torna-se vítima de algo que está para além do seu controle.
Mas se há um processo de desresponsabilização dos diretamente afetados pelo comportamento incômodo, por outro lado há o empoderamento daqueles que realizam o diagnóstico, prescrevem o medicamento e criam as condições para a "cura".
Claro que o problema não é simples e há muitas outras (infinitas) questões envolvidas, mas o objetivo do post é apenas fomentar a reflexão.

3 comentários:

  1. Compartilho um vídeo que me parece que segue bem a linha do seu argumento: http://www.youtube.com/watch?v=7BDOICZDjGA&feature=player_embedded

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  2. Muito bom o vídeo, Isabel!
    Serve para reflexão.
    Abraço.

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