“O ano termina com quase meio milhão de presos”, este é o título do artigo publicado no CONJUR, em 29 de dezembro de 2009, por Edward Carvalho, Luis Guilherme Vieira (na charge) e Rodrigo de Oliveira.
Triste realidade de um país que caminha acelerado na consolidação de um Estado Penal.
Motivo pelo qual o garantismo segue como importante instrumento prático-teórico de contenção das violências - apesar das inúmeras inversões ideológicas que o discurso sofre cotidianamente com objetivo, explícito ou não, de ampliar o punitivismo.
4 comentários:
O "Garantismo Penal Integral" em verdade é o Garantismo Punitivista.
Supondo que não haja estado de direito sem garantias e que para a existência do garantismo é necessário que o estado seja de direito, então, o garantismo de que falamos e, assim, damos existência, mais legitima do que critica o estado de direito que temos - é regra da regra, a (sua) própria regra confirmada, autoconfirmada, violenta pq totalitária com o que não é ela - a sua negação radical. O estado de exceção é a própria exceção, para a regra, a não-regra da regra capturada fora e dada à condição da regra.
Supondo que o direito penal não seja mesmo direito penal se não cumprir a tarefa de limitar a violência com as garantias, e que vige um direito penal ao contrário do que seria (ou foi?) o "Autoritarismo", ou a "Inquisição" - modelos apostos ao modelo "Garantista" e, por isso, motivos sobre os quais o garantismo mesmo se ergue e se legitima -, então o garantismo é a consolidação teórica do que significa estado penal, e a violência contra a qual o garantismo deveria se opor já é outra expressão para a violência que o seu fundamento positivista) projeta. Não se deixa corroer pela violência porque se ergue em nome da proteção contra as violências, mascarando que é uma expressão própria da violência – o estado penal através do qual e não apesar do qual “Garantismo” tem significado. O Garantismo acaba sendo outra justificação para as grandiloquentes punições que a racionalidade instrumental não cansou ainda de propagar. Utiliza-se do argumento de limitação da violência que a sua própria estrutura projeta, ou melhor, utiliza-se do argumento que o seu próprio intestino vomita, para arrogar a si o lugar no qual tais violências ainda seriam controláveis.
Pan, supondo que existam 500 mil presos no Brasil.
E supondo que tenhamos 5 mil no PCPA, em POA, bem ao lado da PUC.
E supondo que estas pessoas vivem em condições indignas, expostas minuto a minuto ao sofrimento terrível que sequer suposições conseguiriam supor.
E supondo que quem tem o poder de libertar estas pessoas pense apenas desde a racionalidade jurídica, inadmitindo outra qualquer forma de convencimento.
Supondo, portanto, que nenhuma pessoa que tente ‘salvar’ aqueles que estão presos conseguirá emocionar esta pessoa que tem o poder de libertar com um poema, ou uma fotografia, ou uma escultura – por mais emocionantes que sejam.
E supondo que a única – digo: única; repito: única – ferramenta para quem tem a coragem de enfrentar esta realidade seja o instrumental jurídico. Ou seja, supondo – apenas supondo – que não há outra maneira de retirar as pessoas que estão sofrendo no cárcere senão desde o interior deste 'sistema' violento.
E supondo que, desde esta racionalidade jurídica, o discurso mais contundente e com maiores possibilidades de salvar vidas seja chamado de... ‘garantismo’ – ou qualquer outro ‘ismo’ que preferires.
Supondo todas estas suposições, qual ‘discurso grandiloquente’ que efetivamente legitima a violência: aquele que se propõe enfrentá-la, ciente das limitações do seu agir, de suas contradições e das armadilhas que este embate coloca – inclusive o de legitimar aquilo que enfrenta – ou aquele outro que, supondo ser este ‘garantismo’ mero reprodutor de violências, permanece inerte pois nega qualquer possibilidade de atuação a partir de uma lógica muito bem elaborada, consistente, ‘coerente’ e desprovida de incompletudes – em plena segurança de não estar caindo em contradição.
Há momentos Pan, sobretudo para quem sente, se comove e se compromete com o sofrimento do outro, que a realidade demanda ação, exige que algo seja feito. E daí parceiro, diletantismos não bastam. Concordo com Zaffaroni quando diz que é um compromisso ético da ‘crítica do direito penal’ salvar o maior número de vidas possíveis. E para operar nesta lógica, desde esta racionalidade – que é a própria racionalidade jurídica que aprisiona as pessoas (não há nenhuma novidade nisso) – o garantismo é um dos instrumentos com maiores potencialidades.
Talvez existam outras formas de atuar, que produzam maiores ou menores rupturas, que sejam mais ou menos radicais. Mas agora, neste momento, dia 19 de janeiro de 2010, em Porto Alegre, o caminho para retirar pessoas do cárcere é através (e esta palavra é importante) da via institucional e dos seus discursos. Gramsci chamaria isso de ‘guerra de posições’. Ou, talvez esta também seja uma ação interessante desde um certo ponto de vista, se possa auxiliar elaborando planos de fuga e/ou motins – aliás, minha tese de doutorado, baseada no ‘garantismo’, foi sobre isso, deves estar lembrado (a legitimidade das fugas, rebeliões e motins no sistema carcerário brasileiro).
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