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domingo, 28 de novembro de 2010

Segurança Pública e Direitos Humanos no Rio de Janeiro

Artigo publicado na Folha de São Paulo (28.11.10) e enviado pelo Moyses Neto.

Não Haverá Vencedores - Marcelo Freixo
Dezenas de jovens pobres, negros, armados de fuzis, marcham em fuga, pelo meio do mato. Não se trata de uma marcha revolucionária, como a cena poderia sugerir em outro tempo e lugar.
Eles estão com armas nas mãos e as cabeças vazias. Não defendem ideologia. Não disputam o Estado. Não há sequer expectativa de vida.
Só conhecem a barbárie. A maioria não concluiu o ensino fundamental e sabe que vai morrer ou ser presa.
As imagens aéreas na TV, em tempo real, são terríveis: exibem pessoas que tanto podem matar como se tornar cadáveres a qualquer hora. A cena ocorre após a chegada das forças policiais do Estado à Vila Cruzeiro e ao Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro.
O ideal seria uma rendição, mas isso é difícil de acontecer. O risco de um banho de sangue, sim, é real, porque prevalece na segurança pública a lógica da guerra. O Estado cumpre, assim, o seu papel tradicional. Mas, ao final, não costuma haver vencedores.
Esse modelo de enfrentamento não parece eficaz. Prova disso é que, não faz tanto tempo assim, nesta mesma gestão do governo estadual, em 2007, no próprio Complexo do Alemão, a polícia entrou e matou 19. E eis que, agora, a polícia vê a necessidade de entrar na mesma favela de novo.
Tem sido assim no Brasil há tempos. Essa lógica da guerra prevalece no Brasil desde Canudos. E nunca proporcionou segurança de fato. Novas crises virão. E novas mortes. Até quando? Não vai ser um Dia D como esse agora anunciado que vai garantir a paz. Essa analogia à data histórica da 2ª Guerra Mundial não passa de fraude midiática.
Essa crise se explica, em parte, por uma concepção do papel da polícia que envolve o confronto armado com os bandos do varejo das drogas. Isso nunca vai acabar com o tráfico. Este existe em todo lugar, no mundo inteiro. E quem leva drogas e armas às favelas?
É preciso patrulhar a baía de Guanabara, portos, fronteiras, aeroportos clandestinos. O lucrativo negócio das armas e drogas é máfia internacional. Ingenuidade acreditar que confrontos armados nas favelas podem acabar com o crime organizado. Ter a polícia que mais mata e que mais morre no mundo não resolve.
Falta vontade política para valorizar e preparar os policiais para enfrentar o crime onde o crime se organiza -onde há poder e dinheiro. E, na origem da crise, há ainda a desigualdade. É a miséria que se apresenta como pano de fundo no zoom das câmeras de TV. Mas são os homens armados em fuga e o aparato bélico do Estado os protagonistas do impressionante espetáculo, em narrativa estruturada pelo viés maniqueísta da eterna "guerra" entre o bem e o mal.
Como o "inimigo" mora na favela, são seus moradores que sofrem os efeitos colaterais da "guerra", enquanto a crise parece não afetar tanto assim a vida na zona sul, onde a ação da polícia se traduziu no aumento do policiamento preventivo. A violência é desigual.
É preciso construir mais do que só a solução tópica de uma crise episódica. Nem nas UPPs se providenciou ainda algo além da ação policial. Falta saúde, creche, escola, assistência social, lazer.
O poder público não recolhe o lixo nas áreas em que a polícia é instrumento de apartheid. Pode parecer repetitivo, mas é isso: uma solução para a segurança pública terá de passar pela garantia dos direitos básicos dos cidadãos da favela.
Da população das favelas, 99% são pessoas honestas que saem todo dia para trabalhar na fábrica, na rua, na nossa casa, para produzir trabalho, arte e vida. E essa gente -com as suas comunidades tornadas em praças de "guerra"- não consegue exercer sequer o direito de dormir em paz.
Quem dera houvesse, como nas favelas, só 1% de criminosos nos parlamentos e no Judiciário...

11 comentários:

Anônimo disse...

achei esse texto melhor do o do LES no blog dele

Anônimo disse...

é uma maneira de ver as coisas. Penso que ste recente episódio no Rio de Janeiro é mais do que apenas mais uma "guerra midiática", a depender das futuras decisoes políticas, poderá se constituir no marco do resgate de confiança da sociedade na polícia e no Estado. Aguardemos os próximos episódios antes de criticarmos ou elogiarmos.

carla disse...

É claro que o tráfico está nas mãos de grandes poderosos. Mas não podemos esquecer de que lá no morro moram crianças que estão crescendo tendo como heróis os "donos da boca", que seus sonhos se resumem em um dia serem patrões. A eles devemos exemplo de uma polícia vencedora.E partindo daí a uma educação de verdade com o resgate dos verdadeiros valores...

Anônimo disse...

Concordo com a Carla... olha só a casa dos traficantes... O grande culpado é o usuário da droga, ele sustenta todo esse luxo e cria os "heróis do morro"...Nós não sabemos os nomes dos policiais que prestam serviço para a sociedade, mas sabemos os nomes das "celebridades" de nossa CARAS prisinal- Melara, Nei, Gão, marcinho VP, Elias maluco, Pajera, Chivo Cavalheiro, Papagaio...

Marcelo Mayora disse...

Diminuição radical do input carcerário que possibilita o surgimento das facções; legalização das drogas; reforma radical na polícia e no modelo de polícia. O resto é violência retroalimentando-se, já que todas as condições de desenvolvimento de territórios como o Complexo do Alemçao permanecem intocadas.

Anônimo disse...

Caro anônimo: Pelo uso de quais drogas o dito "usuário" é "culpado"? Drogas lícitas ou ilícitas?

Para Carla:
"Meus heróis
Morreram de overdose
Meus inimigos
Estão no poder..." (Cazuza/Frejat)

Abrasssss

Luiz Alberto

Gessica disse...

e supondo que o trafico acabe. esse pessoal que dele participa e que atravez dele ganha seu dinheiro, como sobreviveria?
acredito que a violência na sociedade aumentaria, os assaltos, as mortes e o vandalismo em geral.
ademais, pode ser que apenas 1% dos moradores das favelas sejam criminosos, mas tenho certeza que mais da metade da favela é organizada -submetida- pelo trafico e se beneficia "materialmente" dele.
seria facil, se o problema se limitasse a subir no morro, matar traficantes e prender armas e drogas.
mas o buraco é bemmmm maior.

Thiago disse...

Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

Chico Buarque

Anônimo disse...

Luiz Alberto... licitas e ilicitas...e ai tornamos licitas as ilícitas com todos os impostos devidos ????. Ai acaba essa festa !!!
Mas é isso, o Abadia tinha uma casinha aqui no Terra Ville da zona sul. Talvez nosso colega ao lado também seja um traficante, pedófilo (e outras coisas mais...)ou até um ET disfarçado...
quem faz as leis? nçao vai querer pena rigida ou resolver o problema carcerário, preso não dá voto e a cadeia pode ser o feitiço virando contra o feiticeiro...

seguimos "sem lenço e sem documento...

Andrew Black disse...

Gostei do comentário do Marcelo Mayora. É essa a aminha posição relativamente ao que se passa em Portugal, naturalmente que numa escala menor, dadas as dimemsões geográficas do País.

Gostei também deste blog.

AA

Anônimo disse...

Será mera coincidência "tantas" referências à musicas...?
Faltou vc citar a sua, Salo!
Um abraço.