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sexta-feira, 3 de julho de 2009


- Sou esquizofrénica - disse ela, sem deixar que o médico Theodor Busbeck abrisse a boca. - Li nos livros. Sei bem o que sou. Sou esquizofrênica, louca. Vejo coisas que não existem e sou perigosa. Quer-me curar? (...)
- Vais casar com uma ezquizofrénica?, que bom! - era a própria que falava assim para Theodor.
Theodor não parava de lhe tentar mostrar que ela não tinha razão.
- O médico sou eu, não te esqueças. Eu é que determino quando é que as pessoas estão saudáveis ou doentes. No limite sou eu - médico - que determino quem está morto. Fui eu que aprendi durante anos com professores e manuais - sou eu que conheço a cabeça de um doente e a cabeça de alguém com saúde. Sou eu que devo dizer se és ou não uma mulher saudável.
- Quer dizer - respondia Mylia - que durante vários anos, muito antes de me conhecer, sem sequer saber da minha existência, já estudava a minha cabeça, a cabeça de Mylia? Em que página dos seus livros estava eu? Em que página estava escrito, como título: 'a doença de Mylia', ou, segundo diz, 'a saúde de Mylia'? Quem bom saber tanto sobre a nossa cabeça! Dela desconheço o funcionamento médio, quanto mais saber o que ela pode fazer em situações extremas. Caríssimo marido, respeito o seu estudo, os manuais, os professores, os aparelhos, as técnicas, todos os anos em que leu páginas e páginas sobre diagnóstico e tratamentos, respeito tudo isso, mas para se perceber a cabeça de uma pessoa não basta ser médico, tem de ser santo ou profeta. Conseguir-se ver aquilo que está aqui ou aquilo que aí vem. E o meu marido é médico, não é profeta nem santo. É médico. (...)
Theodor decidiu, precisamente no dia 31 de Dezembro, no oitavo ano em que viviam juntos, internar sua esposa, Mylia, no piso dois do Hospício Georg Rosenberg, o mais conceituado da cidade.

[Gonçalo M. Tavares em Jerusalém, da tetralogia O Reino]

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