Comovente a reportagem de Zero Hora deste domingo (08 de
setembro de 2013) sobre o caso de Bruna (leia aqui). A jovem de 26 anos, nutricionista,
filha de um empresário gaúcho, foi presa em março de 2012 no porto de
Barcelona, quando portava 03 quilos de cocaína. Bruna trabalhava em um cruzeiro
(armada italiana Costa Crociere) e desembarcava para gozar um dia de folga.
Segundo depoimento judicial do seu ex-namorado – informações
do periódico –, a droga havia sido por ele introduzida na mochila de Bruna sem
que ela soubesse.
A tonalidade da reportagem é comovente pela sensibilidade
com que o tema é abordado: uma prisão injusta (Bruna não sabia que portava 03
quilos de cocaína), de caráter preventivo (o julgamento ocorrerá nesta
segunda-feira, dia 09 de setembro) e de longo tempo (533 dias de detenção
cautelar).
A jornalista do periódico ressalta que “no momento do
julgamento, Bruna terá cumprido em prisão preventiva, um quarto da pena
sugerida pela promotoria, de sete anos e nove meses. Esse tempo é suficiente
para que condenados pela Justiça espanhola passem ao regime de prisão aberto.”
Todavia, “depois de seis reuniões diplomáticas e diversos
recursos jurídicos, o direito foi negado.”
A família, naturalmente tocada com a situação, passou a
mobilizar pessoas para denunciar “a violação dos direitos humanos nos navios e
para defender os brasileiros desamparados no exterior.”
No título abaixo da foto de Bruna na prisão, a chamada da
reportagem: “flagrada com cocaína que teria sido colocada em mochila pelo
ex-namorado, Bruna teve seus direitos negados na Espanha.” Dentre as denúncia,
o fato de estar presa com mais 06 pessoas em uma cela de 03 metros por 1,5
metro.
A mobilização da família fez com que o julgamento seja acompanhado
por representantes da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do
Rio Grande do Sul, do Consulado Brasileiro em Barcelona e pelo secretario de
Justiça e Direitos Humanos do Estado, Fabiano Pereira.
Espero, sinceramente, que Bruna ganhe a sua liberdade
amanhã. Acompanhei inúmeros casos de prisões de jovens em decorrência de drogas
e sei o drama pessoal e familiar que envolve este tipo de situação.
No entanto, para quem acompanha a cobertura da mídia gaúcha
sobre a questão criminal, sobretudo em relação ao tráfico de entorpecentes, algumas
perguntas incômodas merecem ser feitas: e se Bruna fosse negra, pobre,
desamparada dos pais, vivesse em uma zona vulnerável na periferia de Porto
Alegre e fosse flagrada, no cais do Porto da cidade, com 03 quilos de cocaína?
E se, neste caso hipotético, o ex-namorado da presa confessasse que havia
colocado a droga em sua mochila sem ela saber?
O problema é que temos centenas de Brunas presas no Presídio
Feminino Madre Pelletier em Porto Alegre. Brunas que foram presas em situação
similar. Brunas que têm seus direitos negados diariamente. Brunas presas
cautelarmente em situação irregular. Brunas que poderiam estar em regime
prisional menos severo. Brunas que tiveram seus recursos jurídicos negados.
Brunas que estão empilhadas em celas fétidas e imundas.
Penso nas famílias dessas Brunas do Madre Pelletier,
esperando, inertes, uma mobilização mínima da Comissão de Direitos Humanos da
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e da Secretaria de Justiça e
Direitos Humanos do Estado para que suas penas sejam revistas.
Não custa lembrar que, nesta semana, veículo do mesmo grupo
de comunicação, registrou que “o Mutirão Carcerário, realizado pela
Corregedoria-Geral da Justiça, já analisou a situação de quase 15 mil presos e
concedeu benefícios a 6.214. Na terceira etapa, realizada no último mês em 18
comarcas do sul do Estado, foram revisados mais de 2 mil penas e concedidos 987
benefícios, como progressos de regime e liberdades condicionais. A primeira
fase ocorreu nas comarcas da Região Metropolitana e Porto Alegre, que
concentram 44% da massa carcerária. Na Capital, a remição, que é o abatimento
dos dias trabalhados na pena do preso, foi o benefício mais utilizado pelo
Mutirão. Mais de 4 mil detentos foram beneficiados na primeira etapa da ação. A
expectativa do Mutirão Carcerário é percorrer 164 Comarcas gaúchas até o fim de
novembro e revisar os processos de execução criminal de 29,1 mil presos,
regularizando situações pendentes.”
Casos de Brunos e Brunas presos, em Porto Alegre,
irregularmente.
A pergunta que me move, portanto, é sobre o motivo desta
empatia (legítima e necessária, friso) com o caso da nutricionista Bruna de Novo Hamburgo que trabalhava
em um cruzeiro italiano e que foi presa em Barcelona. Por que a nutricionista
Bruna nos sensibiliza e provoca importantes ações no plano político, enquanto
centenas de Brunas padecem de injustiças idênticas em estabelecimentos
carcerários que estão ao lado das nossas casas? Nossa sensibilidade e nosso
humanismo são seletivos apenas em relação aos nossos iguais?
Liberdade e Justiça para todas as Brunas e Marias, brancas ou
negras, ricas ou pobres.
(Bruna Frasson, foto da reportagem de Zero Hora)
3 comentários:
Caro sr. Salo
Lendo seu artigo, e por todas minhas convicções, referente ao ponto central de sua opinião, não tenho uma vírgula a reparar.
Mas para fazer justiça a Bruna e seu pai, no caso concreto, queria desfazer uma má impressão que poderia ficar.
Fui um dos impulsionadores da campanha pela liberdade da Bruna, e conheço-os muito bem.
Bruna é uma menina simples e de uma família que não disporia de recursos materiais para influenciar a imprensa ou governo,
mesmo sendo seu pai um administrador de empresas, não empresário como noticiado.
Foi uma dura batalha para conseguirmos um mínimo de repercussão na imprensa e atitudes das autoridades brasileiras.
Porém, não tenho nenhuma dúvida que se fosse como o Sr. fala uma mulher negra e marginalizada,
mesmo o que se conseguiu seria impossível.
Que com uma campanha equivalente a que fizemos, haveria uma barreira na mídia e seria muitíssimo mais difícil sensibilizar as pessoas.
Mas Bruna e seu pai não são insensíveis a isso, como mostram suas obras e relação com demais presas,
e a atuação de seu pai pelos direitos humanos, como se vê na matéria do link abaixo.
Sei que seu comentário não teve esse viés, inclusive que o Sr. se solidariza com Bruna, como destacou.
Mas fiz questão de colocar essas informações para dizer que o ocorrido com Bruna só fez reforçar
a consciência de que temos que lutar contra todas as discriminações, em defesa das milhares de Brunas, em situações muito piores.
Essa luta é nossa!
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/mundo/noticia/2013/09/julgamento-individual-anima-familia-de-gaucha-presa-na-espanha-4263544.html
Quanto ao pai de Bruna, refiro-me à Associação que tem impulsionado e que vai além do caso de Bruna.
"Na sua volta ao Brasil, participará em uma Audiência Pública no Senado Federal ao lado das outras famílias de vítimas de cruzeiros. Estão organizando uma associação de defesa, seguindo o exemplo norte-americano da ICV, International Cruise Victims. O objetivo, além da denúncia de casos similares ao da sua filha, é conseguir a aprovação de uma lei que permita julgar situações ocorridas no interior de navios atracados na costa Brasileira. "
Infelizmente seu texto é de uma tristeza só.
Peca em argumento... Sempre o mesmo??
E se?
E se parássemos de escrever e partíssemos para a ação??
E se, antes de externar opinião baseada num único artigo de jornal o Sr. tivesse feito uma pesquisa rápida no google? Será que a Bruna não mudaria de esteriótipo?
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