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sábado, 31 de julho de 2010

Sobre a Investigação Acadêmica na Atualidade

Alguns discursos sempre me irritaram profundamente na academia - sobretudo em bancas de seleção de pós-graduação e de defesas de monografia, dissertação ou tese. Sobretudo porque sempre soaram como escusas absolutórias - lembram da teoria criminológica denominada "técnicas de neutralização"? Não lembra? Então (re)leia o Baratta.
E estes discursos são bem fáceis de exemplificar: "professor, existe pouca bibliografia sobre o meu tema"; "professor, ninguém escreveu sobre isso antes"; "professor, na província onde moro eu não consigo acesso à bibliografia atualizada."
À primeira série de argumentos eu responderia de forma bastante simples: "acorda! não existe tema inédito ou tema que nunca tenha sido trabalhado ."
À segunda escusa, a resposta, que é complementar à primeira, deve ser mais contundente: "réélôôôu! aprenda a pesquisar!"
A minha querida amiga, Professora Doutora Maria Tereza Flores-Pereira, do Programa de Pós-Graduação em Administração da PUCRS, concordaria comigo. Inclusive porque ela partilha do mesmo tipo de indignação.
Conversando ontem de noite com o Achutti - eu e a Mari saímos para jantar com o casal restaurativo Daniel e Raffa -, concluímos que, na atualidade, simplesmente não há mais qualquer tipo de desculpa para que um pesquisador não se tenha conhecimento pleno e atualizado sobre o que está sendo pesquisado nos principais centros de investigação do mundo.
As ferramentas de pesquisa que a internet fornece tornam pífia qualquer tentativa de escusa. E não estou falando apenas do óbvio google acadêmico. A CAPES - e é fundamental que se reconheça e se aplauda - inseriu a academia brasileira no universo de pesquisa mundial.
A criação do banco de teses e o acesso livre (gratuíto) que qualquer estudante universitário e de pós-graduação tem aos periódicos internacionais, nos coloca em situação de igualdade com os principais centros de referência do mundo - em termos de acesso, frise-se.
Na área da Criminologia, configurando o computador pessoal e com a senha de acesso da biblioteca da Faculdade, qualquer aluno consulta a íntegra dos principais periódicos do mundo - é só dar uma olhada na barra lateral do Antiblog para ter uma pequena ideia do que estou falando. A SAGE, principal editora acadêmica internacional, que publica os periódicos de referência, tem ferramentas de pesquisa espetaculares para coleta de material - confiram, p. ex., a pesquisa por disciplinas no site da editora: http://online.sagepub.com/browse/by/discipline.
Em síntese: não há mais justificativa para que os investigadores nacionais (graduandos, mestrandos, doutorandos e professores) não estejam ligados nas últimas pesquisas sobre seus temas. Ninguém precisa mais sair de casa para acessar o que há de mais avançado na pesquisa acadêmica.

The Hall of the Mirrors

Do long play "Trans Europe Express", de 1977, os criadores da música eletrônica, Kraftwerk.

terça-feira, 27 de julho de 2010

CriminologiaS: Discursos para a Academia


CriminologiaS: Discursos para a Academia

A ideia de lançar uma coleção acadêmica na linha de pesquisa da Criminologia surgiu da constatação do avanço da disciplina no Brasil.
Nas últimas duas décadas, dois institutos, vinculados fundamentalmente à área do direito – o Instituto Carioca de Criminologia (ICC) e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) –, com muita competência, congregaram os fóruns de debate criminológicos, realizando eventos, financiando publicações, realizando concursos, dentre uma série de importantes e destacadas atividades. No campo editorial, as revistas Discursos Sediciosos (ICC) e Revista Brasileira de Ciências Criminais (IBCCrim) e as coleções Pensamento Criminológico (ICC) e Monografias (IBCCrim) foram responsáveis pela divulgação, ao público nacional, de trabalhos clássicos e de inovações no pensamento criminológico. Assim, ao mesmo tempo em que estes veículos resgataram importantes obras, com a tradução de textos fundamentais, lançaram novos autores que hoje representam o que há de melhor na academia criminológica brasileira. Nilo Batista e Alberto Silva Franco podem ser nominados como os legítimos representantes do esforço que move os Institutos para consolidar uma tradição crítica nas Ciências Criminais do Brasil.
Paralelamente ao desenvolvimento do campo dos estudos criminológicos vinculados ao Direito, a dimensão e o impacto das diferentes manifestações da violência sobre o tecido social e a incapacidade do sistema de segurança pública e de justiça criminal em responder de forma minimamente eficiente e juridicamente correta as demandas de controle do crime começaram a chamar a atenção dos cientistas sociais. Possível indicar como marco inicial, para além de trabalhos pioneiros, a criação, nos anos 80, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV), na Universidade de São Paulo, e os trabalhos realizados por pesquisadores, como Sérgio Adorno, Paulo Sérgio Pinheiro, Alba Zaluar, Luiz Eduardo Soares, José Vicente Tavares dos Santos, Roberto Kant de Lima e Michel Misse. E seguindo esta geração de investigadores, novos pesquisadores vêm desvendando os mecanismos de produção e reprodução social e institucional da violência no Brasil.
Nos anos 90, os estudos sobre a violência e a segurança pública deixaram de ser exclusividade dos estudiosos do Direito Penal e passaram a constituir um dos campos mais destacados da produção acadêmica no âmbito de programas de pós-graduação em Sociologia, Antropologia e Ciência Política, com a criação de grupos de pesquisa em vários cantos do país. Representativos deste crescimento são os Grupos de Trabalho realizados nos Encontros Nacionais da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs) e nos Congressos da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) e da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) sobre Violência, Conflitualidade e Administração Institucional de Conflitos, não obstante o crescimento da produção de teses e dissertações sobre estes temas.
Com base nestes estudos, dispomos hoje de um importante acervo de pesquisas de diferentes perspectivas teórico-metodológicas que permite indicar caminhos para o enfrentamento de um problema cujas vias de equacionamento estão inexoravelmente vinculadas às possibilidade de construção democrática no Brasil.
Neste mesmo período de consolidação do Instituto Carioca de Criminologia e do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, e de desenvolvimento dos estudos sobre violência, conflitualidade e segurança pública no âmbito das Ciências Sociais, a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul lançou o projeto de criação do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais. Sob a coordenação da incansável Ruth Gauer, desde a sua fundação em 1996, o PPGCCrim destacou-se como o primeiro programa nacional de pós-graduação com área de concentração específica nas Ciências Criminais e linhas de pesquisa que contemplam, de um lado, o campo da Criminologia e do Controle Social e, de outro, com perfil normativo, a Dogmática Jurídico-penal (sistemas penais contemporâneos).
A primeira geração de mestres formados pelo PPGCCrim da PUCRS, capitaneada por Alexandre Wunderlich, organizou-se em torno do Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (!TEC). O !TEC mobilizou o cenário universitário do Rio Grande do Sul e sua publicação oficial (Revista de Estudos Criminais) ganhou destaque no panorama nacional. Na atualidade, uma nova geração de mestres em ciências criminais que frequentou o PPGCCrim inova o saber criminológico. Aglutinados no Instituto de Criminologia e Alteridade (ICA), estes jovens pesquisadores oxigenam o debate na academia gaúcha, consolidando pesquisas de vanguarda no campo criminológico a partir de uma clara percepção das fronteiras e dos horizontes da disciplina – sobretudo a radical diferenciação que demarca a Criminologia como o saber autônomo e crítico da limitada análise normativa fornecida pelas Dogmáticas Penais, mesmo as autodenominadas críticas.
A série CriminologiaS: Discursos para a Academia inaugura seus trabalhos com a publicação de cinco dissertações representativas dessa dupla vertente de estudos criminológicos, em diálogo com o Direito, a Filosofia, a Psicanálise e as Ciências Sociais: Alexandre Costi Pandolfo (A Criminologia Traumatizada: um Ensaio sobre Violência e Representação dos Discursos Criminológicos Hegemônicos no Século XX), Carla Marrone Alimena (A Tentativa do (Im)Possível: Feminismos e Criminologias), Fernanda Bestetti de Vasconcellos (A Prisão Preventiva como Mecanismo de Controle e Legitimação do Campo Jurídico), José Antônio Gerzson Linck (A Criminologia nos Entre-Lugares: Diálogos entre Inclusão Violenta, Exclusão e Subversão Contemporânea), Marcelo Mayora Alves (Entre a Cultura do Controle e o Controle Cultural: um Estudo sobre Práticas Tóxicas na Cidade de Porto Alegre).
Em conjunto com as publicações dos coordenadores da coleção – Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo (Sociologia e Justiça Penal: Teoria e Prática dos Estudos Sociocriminológicos) e Salo de Carvalho (O Papel dos Atores do Sistema Penal na Era do Punitivismo: o Exemplo Privilegiado da Aplicação da Pena) –, a série inaugural de CriminologiaS: Discursos para a Academia reforça o papel da academia na construção de um sólido saber crítico.
Em uma era de pasteurização e de mercantilização dos saberes, com o ensino universitário imerso na lógica atuarial das metas quantitativas e com o império da lógica manualística que traduz o descomprometimento do mercado editorial com a publicação de sérias obras propedêuticas e de investigações específicas em temas sensíveis, a academia nacional vive seu período de maior crise. Neste cenário de educação virtual, muitos pesquisadores – termo utilizado neste momento para designar o investigador comprometido com a formação e a densificação do pensamento acadêmico crítico – encontram-se no dilema entre o imobilismo ou o assimilacionismo, ou seja, entre cair no ostracismo e abandonar projetos sérios ou aderir à lógica do mercado educacional e agir pensando exclusivamente na sua promoção pessoal, fenômeno este que pode ser denominado de carreirismo acadêmico.
Todavia, conforme reivindica Ricardo Timm de Souza, é necessário transformar a crise em crítica.
Desde a perspectiva estridentemente transdisciplinar que orienta as pesquisas publicadas nesta coleção, a possibilidade de um saber criminológico crítico é visualizada através do diálogo franco com os demais campos das humanidades, notadamente a Sociologia, a Antropologia, a Filosofia e a Psicanálise, e com os saberes tradicionalmente desqualificados pelas ciências como profanos, sobretudo a Arte. Sem, contudo, cair na tentação de disciplinar a transdisciplinaridade, isto é, criar um novo campo hermético e dogmático a partir da conciliação de dois ou mais discursos científicos. Não por outra razão a enunciação do título da coleção no plural.
A série de publicações de trabalhos essencialmente acadêmicos (monografias, dissertações e teses) pretende construir mais um espaço de diálogo, ser mais um canal de divulgação do pensamento crítico. E reivindicar a postura crítica implica, necessariamente, em realizar autocrítica, o que é refletido na perspectiva de desconstrução que os investigadores associados têm sobre as falsas imagens acadêmicas que habitam determinadas mentes e certas instituições. A ironia kafkiana do subtítulo da coleção pauta esta gaia abordagem que conduz o projeto.
O projeto CriminologiaS: Discursos para a Academia está vinculado formalmente ao Departamento de Ciências Penais da UFRGS e ao Departamento de Direito Penal e Direito Processual Penal da PUCRS. No entanto, apesar do localismo da coordenação, o conselho editorial foi formado de maneira a dar representatividade nacional e abrangência transdisciplinar, não limitando o projeto à determinada região ou a campo de investigação.
Fundamental, pois, o apoio da Editora Lumen Juris, que vem apostando na divulgação de trabalhos com características distintas daqueles que habitam a grande imprensa editorial na área das Humanidades, sobretudo no campo do Direito.
Assim, a aposta é que a série CriminologiaS: Discursos para a Academia atinja uma grande parcela de leitores descontentes com o marasmo editorial brasileiro e ansiosos para receber conteúdo acadêmico de qualidade, em oposição à lógica manualesca que vem preponderando no mercado.

Porto Alegre, inverno de 2010.

Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo (PUCRS)
Salo de Carvalho (UFRGS)

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Mulheres na Execução Penal: Imagens

Recebi da Lívia Biasotto o endereço do site da Penitenciária Feminina de Tirgsor, na Romênia.
No link (clique aqui) a exposição de fotos realizadas pelas apenadas.

Atuação do Psicólogo no Sistema Penal

RESOLUÇÃO CFP Nº 009/2010
Regulamenta a atuação do psicólogo no sistema prisional.

O CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, no uso de suas atribuições legais e regimentais, que lhe são conferidas pela Lei n° 5.766, de 20/12/1971;
CONSIDERANDO o disposto no Art. 6º, letra “c”, da Lei n° 5.766 de 20/12/1971, e o Art. 6º, inciso V, do Decreto n° 79.822 de 17/6/1977;
CONSIDERANDO que a Constituição Federal. em seu Art. 196, bem como os princípios e diretrizes preconizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), definem que a saúde é direito de todos e dever do Estado;
CONSIDERANDO as Regras Mínimas para Tratamento do Preso no Brasil (Resolução nº 14 de 11/11/1994), resultante da recomendação do Comitê Permanente de Prevenção do Crime e Justiça Penal da ONU, que estabelece em seu Art. 15 a assistência psicológica como direito da pessoa presa;
CONSIDERANDO publicação elaborada pelo Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e o Conselho Federal de Psicologia (CFP): “Diretrizes para atuação e formação dos psicólogos do sistema prisional brasileiro”;
CONSIDERANDO que as questões relativas ao encarceramento devem ser compreendidas em sua complexidade e como um processo que engendra a marginalização e a exclusão social;
CONSIDERANDO que a Psicologia, como Ciência e Profissão, posiciona-se pelo compromisso social da categoria em relação às proposições alternativas à pena privativa de liberdade, além de fortalecer a luta pela garantia de direitos humanos nas instituições em que há privação de liberdade;
CONSIDERANDO os princípios éticos fundamentais que norteiam a atividade profissional do psicólogo contidos no Código de Ética Profissional do Psicólogo;
CONSIDERANDO que os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão, notadamente aqueles que se fundamentam no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos;
CONSIDERANDO o processo de profícua interlocução com a categoria, e com o objetivo de produzir referências técnicas para a prática profissional do psicólogo no sistema prisional;
CONSIDERANDO a necessidade de referências para subsidiar a atuação do psicólogo no sistema prisional e a produção qualificada de documentos escritos decorrentes de sua intervenção;
CONSIDERANDO decisão deste Plenário em reunião realizada no dia 18 de junho de 2010.

RESOLVE:
Art. 1º. Em todas as práticas no sistema prisional, o psicólogo deverá respeitar e promover:
a) Os direitos humanos dos sujeitos em privação de liberdade, atuando em âmbito institucional e interdisciplinar;
b) Processos de construção da cidadania, em contraposição à cultura de primazia da segurança, de vingança social e de disciplinarização do indivíduo;
c) Desconstrução do conceito de que o crime está relacionado unicamente à patologia ou à história individual, enfatizando os dispositivos sociais que promovem o processo de criminalização;
d) A construção de estratégias que visem ao fortalecimento dos laços sociais e uma participação maior dos sujeitos por meio de projetos interdisciplinares que tenham por objetivo o resgate da cidadania e a inserção na sociedade extramuros.
Art. 2º. Em relação à atuação com a população em privação de liberdade ou em medida de segurança, o psicólogo deverá:
a) Compreender os sujeitos na sua totalidade histórica, social, cultural, humana e emocional;
b) Promover práticas que potencializem a vida em liberdade, de modo a construir e fortalecer dispositivos que estimulem a autonomia e a expressão da individualidade dos envolvidos no atendimento;
c) Construir dispositivos de superação das lógicas maniqueístas que atuam na instituição e na sociedade, principalmente com relação a projetos de saúde e reintegração social;
d) Atuar na promoção de saúde mental, a partir dos pressupostos antimanicomiais, tendo como referência fundamental a Lei da Reforma Psiquiátrica, Lei n° 10.216/2001, visando a favorecer a criação ou o fortalecimento dos laços sociais e comunitários e a atenção integral;
e) Desenvolver e participar da construção de redes nos serviços públicos de saúde/saúde mental para as pessoas em cumprimento de pena (privativa de liberdade e restritiva de direitos), bem como de medidas de segurança;
f) Ter autonomia teórica, técnica e metodológica, de acordo com os princípios ético-políticos que norteiam a profissão.
Art. 3º. Em relação à atuação como gestor, o psicólogo deverá:
a) Considerar as políticas públicas, principalmente no tocante à saúde, assistência social e direitos humanos no sistema prisional, nas propostas e projetos a ser implementados no contexto prisional;
b) Contribuir na elaboração e proposição de modelos de atuação que combatam a culpabilização do indivíduo, a exclusão social e mecanismos coercitivos e punitivos;
c) Promover ações que facilitem as relações de articulação interpessoal, intersetorial e interinstitucional;
d) Considerar que as atribuições administrativas do cargo ocupado na gestão não se sobrepõem às determinações contidas no Código de Ética Profissional.
Art. 4º. Em relação à elaboração de documentos escritos:
a) Conforme indicado nos Art. 6º e 112º da Lei n° 10.792/2003 (que alterou a Lei n° 7.210/1984), é vedado ao psicólogo que atua nos estabelecimentos prisionais realizar exame criminológico e participar de ações e/ou decisões que envolvam práticas de caráter punitivo e disciplinar, bem como documento escrito oriundo da avaliação psicológica com fins de subsidiar decisão judicial durante a execução da pena do sentenciado;
b) O psicólogo, respaldado pela Lei n° 10792/2003, em sua atividade no sistema prisional somente deverá realizar atividades avaliativas com vistas à individualização da pena quando do ingresso do apenado no sistema prisional. Quando houver determinação judicial, o psicólogo deve explicitar os limites éticos de sua atuação ao juízo e poderá elaborar uma declaração conforme o Parágrafo Único.
Parágrafo Único. A declaração é um documento objetivo, informativo e resumido, com foco na análise contextual da situação vivenciada pelo sujeito na instituição e nos projetos terapêuticos por ele experienciados durante a execução da pena.
Art. 5º. Na atuação com outros segmentos ou áreas, o psicólogo deverá:
a) Visar à reconstrução de laços comunitários, sociais e familiares no atendimento a egressos e familiares daqueles que ainda estão em privação de liberdade;
b) Atentar para os limites que se impõem à realização de atendimentos a colegas de trabalho, sendo seu dever apontar a incompatibilidade de papéis ao ser convocado a assumir tal responsabilidade.
Art. 6º. Toda e qualquer atividade psicológica no sistema prisional deverá seguir os itens determinados nesta resolução.
Parágrafo Único – A não observância da presente norma constitui falta ético-disciplinar, passível de capitulação nos dispositivos referentes ao exercício profissional do Código de Ética Profissional do Psicólogo, sem prejuízo de outros que possam ser arguidos.
Art. 7º. Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação.
Art. 8º. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 29 de junho de 2010.
ANA MARIA PEREIRA LOPES
Conselheira-Presidente

domingo, 25 de julho de 2010

Bobby Brown

Para começar a semana, uma performance de um dos maiores músicos do século passado: Frank Zappa.
Na música: primou o experimentalismo e a atitude, sendo um dos criadores da ideia de fusion no rock.
Na política: crítico radical do 'american way of life' - foi candidato independente à Presidência da República em duas ocasiões, se não estou enganado.
No clipe, Bobby Brown, um do seus grandes sucessos.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Flying Dog

Final da tarde liga o Felipe Oliveira e me convida para tomar uma cerveja num bar germânico recentemente inaugurado na imediações da Ramiro. Acabamos nós dois e o Antônio Carlos Tovo sentados juntos, jogando conversa fora. O Rafael Canterji nos brindou com a sua ausência.
Tomei uma tradicional Erdinger - cerveja de trigo que gosto muito.
No momento da saideira, pergunto ao garçom sobre a Flying Dog, bebida norte-americana indicada na carta.
Resposta: "é uma dobble pale ale, escura, muito forte, de elevado teor alcoólico (8,3%)." Imediatamente e em coro: "é esta! manda!"
O cão em fúria no rótulo expressa o sabor da cerveja e os efeitos que provoca no organismo.
Uma hora depois aterrizei em casa e nunca eu e o Fred nos entendemos tão bem.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Luta contra a Homofobia

Polêm!ca

O Laboratório de Estudos Contemporâneos da UERJ edita o periódico eletrônico Polêm!ca. A última edição foi enviada pela Mônica Delfino, com ênfase no artigo do Edson de Souza, psicanalista vinculado a APPOA e professor da UFRGS.
Periódico de qualidade (clique aqui)

Produção Legal de Maconha

A notícia foi veiculada no G1 e enviada pelo Alexandre Rosa.

Cidade da Califórnia pode liberar completamente o plantio de maconha. Favoráveis à medida argumentam que ela gera arrecadação e empregos. Legislação ainda deve passar por nova votação.
A cidade norte-americana de Oakland, na Califórnia, pode ser a primeira do país a autorizar completamente o cultivo de maconha.
O conselho da cidade aprovou por 5 votos a 2, com uma abstenção, um plano que licencia plantações de marijuana, onde a erva seria também processada e embalada.
A votação ocorreu depois de mais de duas horas de debate público.
Os parlamentares contrários à medida disseram que ela iria "quebrar" os produtores de maconha medicinal. Os favoráveis argumentaram que ela geraria milhões de dólares à cidade em impostos, movimentaria o comércio e criaria centenas de empregos.
As plantações não teriam limitação, mas seriam pesadamente taxadas e reguladas
Uma licença custaria US$ 211 mil anuais e mais 8% de impostos sobre as vendas seriam cobrados.
Os defensores da medida também disseram que há a possibilidade de Oakland se tornar a capital nacional da maconha, especialmente se os eleitores do estado da Califórnia aprovarem, em novembro, o uso recreacional da substância.
Jeff Wilcox, negociante local, disse ser contra por temer que a cidade vire o "vale do silício" da maconha.
A conselheira Nancy Nadel se disse preocupada com a qualidade do produto e com as questões ambientais envolvidas.
A medida ainda deve ser votada mais uma vez, mas a expectativa é de que seja aprovada.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

"O Rappa" na Rocinha

Assisti no final semana ao novo DVD d' O Rappa.
Desde que ouvi no primeiro CD a música "Todo Camburão tem um Pouco de Navio Negreiro", composição do Marcelo Yuka, acompanho a trajetória da banda. Grandes músicos, grande atitude musical, grande postura política.
Mas o legal foi ver que o DVD, gravado ao vivo na Rocinha, foi dirigido pelo Heron Domingues, parceiro 'das antigas'.
Em uma época muito (mas muito) distante, em meados da década de 80, em Santa Maria - a Seatlle gaúcha, como preferem os músicos nativos daquela região -, o Heron fazia a produção da Banda Fuga, uma das maiores representantes do autêntico rock do interior do Rio Grande do Sul (clique aqui para baixar a discografia completa). Na banda que antecedeu a Banda Fuga, bem como durante algum tempo no início da trajetória da própria Fuga, trabalhei diretamente com o Heron - ele na produção e eu como roadie da Banda.
Como anuncia a música do Led Zeppelin: "Good times, Bad times, you know I had my share."



sexta-feira, 16 de julho de 2010

1º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas

Recebi o material de divulgação através da Ivana Regis.
O 1º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas acontecerá nos dias 21 (sábado) e 22 (domingo) de agosto em São Paulo, capital. O objetivo é contribuir para a democratização dos meios de comunicação e fortalecer as mídias alternativas. As inscrições já estão abertas. Poderão se inscrever não apenas blogueiros, mas todos os interessados nas novas mídias sociais.
O encontro começará no sábado às 9 h, com debate sobre o papel da blogosfera na democratização dos meios de comunicação. Participarão Luiz Carlos Azenha, Paulo Henrique Amorim, Luis Nassif, Eduardo Guimarães, Rodrigo Vianna e Leandro Fortes.
À tarde, ocorrerão sessões com palestrantes para se discutir as questões legais: orientação jurídica para atuar na web, medidas contra ameaças, cerceamento à liberdade de expressão. Também ocorrerão oficinas sobre twitter, videoweb, rastreamento de trolls e debates sobre a sustentabilidade financeira dos blogs.
No domingo, das 9 h à 12 h, em reuniões em grupo, blogueiros dos vários estados trocarão experiências e discutirão os desafios da blogosfera. À tarde, plenária para apresentação, discussão e aprovação da Carta do 1º Encontro Nacional dos Blogueiros.
O evento será gravado e, depois, disponibilizado na rede.
Inscrições, passagens, acomodações e refeições: contato@baraodeitarare.org.br ou telefonar para (011) 3054-1829 begin_of_the_skype_highlighting ou (011) 3054-1829 end_of_the_skype_highlighting. Falar com a Daniele Penha.
Comissão Organizadora: Luiz Carlos Azenha, Altamiro Borges, Conceição Lemes*, Paulo Henrique Amorim, Eduardo Guimarães, Conceição Oliveira, Antonio Arles, Renato Rovai, Rodrigo Vianna e Diego Casaes.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Tédio, Crime e Criminologia

Disponibilizo o artigo "Tédio, Crime e Criminologia: um Convite à Criminologia Cultural", do Professor Jeff Ferrell, publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais (ano 18, n. 82, jan-fev 2010), que tive a oportunidade de traduzir.

Ferrell - Tédio Crime e Criminologia

terça-feira, 13 de julho de 2010

Criminologia e Sistemas Jurídico-Penais Contemporâneos

Publicado em e-book, nesta semana, o novo livro do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS, intitulado Criminologia e Sistemas Jurídico-Penais Contemporâneos II, organizado pela Ruth Gauer. Para baixar na íntegra, clique aqui.
Na coletânea publico minha última participação como integrante do quadro docente do Programa, em artigo intitulado Substitutivos Penais na Era do Grande Encarceramento.
Mas o que me tocou (muito) nesta obra, para além do encerramento de um importante ciclo da minha vida, foi a dedicatória do Timm no artigo O Nervo Exposto. Fico emocionado ao lembrar da ocasião em que o artigo foi lido, o que representou naquele momento e o que significa hoje.

domingo, 11 de julho de 2010

Violência de Gênero: O Caso Bruno

A Lis Pasini - antropóloga que recentemente foi motivo de um post aqui no Antiblog - enviou por e-mail um dos melhores textos que li sobre o Caso Bruno - que creio deveria ser nominado Caso Elisa.
O texto é da Débora Diniz e foi publicado no Estadão, hoje.

Patriarcado da Violência
Debora Diniz - Antropóloga e Proferrosa da UnB

A brutalidade não é constitutiva da natureza masculina, mas um dispositivo de uma sociedade que reduz as mulheres a objetos de prazer e consumo dos homens

Eliza Samudio está morta. Ela foi sequestrada, torturada e assassinada. Seu corpo foi esquartejado para servir de alimento para uma matilha de cães famintos. A polícia ainda procura vestígios de sangue no sítio em que ela foi morta ou pistas do que restou do seu corpo para fechar esse enredo macabro. As investigações policiais indicam que os algozes de Eliza agiram a pedido de seu ex-namorado, o goleiro do Flamengo, Bruno. Ele nega ter encomendado o crime, mas a confissão veio de um adolescente que teria participado do sequestro de Eliza. Desde então, de herói e "patrimônio do Flamengo", nas palavras de seu ex-advogado, Bruno tornou-se um ser abjeto. Ele não é mais aclamado por uma multidão de torcedores gritando em uníssono o seu nome após uma partida de futebol. O urro agora é de "assassino".

O que motiva um homem a matar sua ex-namorada? O crime passional não é um ato de amor, mas de ódio. Em algum momento do encontro afetivo entre duas pessoas, o desejo de posse se converte em um impulso de aniquilamento: só a morte é capaz de silenciar o incômodo pela existência do outro. Não há como sair à procura de razoabilidade para esse desejo de morte entre ex-casais, pois seu sentido não está apenas nos indivíduos e em suas histórias passionais, mas em uma matriz cultural que tolera a desigualdade entre homens e mulheres. Tentar explicar o crime passional por particularidades dos conflitos é simplesmente dar sentido a algo que se recusa à razão. Não foi o aborto não realizado por Eliza, não foi o anúncio de que o filho de Eliza era de Bruno, nem foi o vídeo distribuído no YouTube o que provocou a ira de Bruno. O ódio é latente como um atributo dos homens violentos em seus encontros afetivos e sexuais.

Como em outras histórias de crimes passionais, o final trágico de Eliza estava anunciado como uma profecia autorrealizadora. Em um vídeo disponível na internet, Eliza descreve os comportamentos violentos de Bruno, anuncia seus temores, repete a frase que centenas de mulheres em relacionamentos violentos já pronunciaram: "Eu não sei do que ele é capaz". Elas temem seus companheiros, mas não conseguem escapar desse enredo perverso de sedução. A pergunta óbvia é: por que elas se mantêm nos relacionamentos se temem a violência? Por que, jovem e bonita, Eliza não foi capaz de escapar de suas investidas amorosas? Por que centenas de mulheres anônimas vítimas de violência, antes da Lei Maria da Penha, procuravam as delegacias para retirar a queixa contra seus companheiros? Que compaixão feminina é essa que toleraria viver sob a ameaça de agressão e violência? Haveria mulheres que teriam prazer nesse jogo violento?

Não se trata de compaixão nem de masoquismo das mulheres. A resposta é muito mais complexa do que qualquer estudo de sociologia de gênero ou de psicologia das práticas afetivas poderia demonstrar. Bruno e outros homens violentos são indivíduos comuns, trabalhadores, esportistas, pais de família, bons filhos e cidadãos cumpridores de seus deveres. Esporadicamente, eles agridem suas mulheres. Como Eliza, outras mulheres vítimas de violência lidam com essa complexidade de seus companheiros: homens que ora são amantes, cuidadores e provedores, ora são violentos e aterrorizantes. O difícil para todas elas é discernir que a violência não é parte necessária da complexidade humana, e muito menos dos pactos afetivos e sexuais. É possível haver relacionamentos amorosos sem passionalidade e violência. É possível viver com homens amantes, cuidadores e provedores, porém pacíficos. A violência não é constitutiva da natureza masculina, mas sim um dispositivo cultural de uma sociedade patriarcal que reduz os corpos das mulheres a objetos de prazer e consumo dos homens.

A violência conjugal é muito mais comum do que se imagina. Não foi por acaso que, quando interpelado sobre um caso de violência de outro jogador de seu clube de futebol, Bruno rebateu: "Qual de vocês que é casado não discutiu, que não saiu na mão com a mulher, né cara? Não tem jeito. Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher". Há pelo menos dois equívocos nessa compreensão estreita sobre a ordem social. O primeiro é que nem todos os homens agridem suas companheiras. Embora a violência de gênero seja um fenômeno universal, não é uma prática de todos os homens. O segundo, e mais importante, é que a vida privada não é um espaço sacralizado e distante das regras de civilidade e justiça. O Estado tem o direito e o dever de atuar para garantir a igualdade entre homens e mulheres, seja na casa ou na rua. A Lei Maria da Penha é a resposta mais sistemática e eficiente que o Estado brasileiro já deu para romper com essa complexidade da violência de gênero.

Infelizmente, Eliza Samudio está morta. Morreu torturada e certamente consciente de quem eram seus algozes. O sofrimento de Eliza nos provoca espanto. A surpresa pelo absurdo dessa dor tem que ser capaz de nos mover para a mudança de padrões sociais injustos. O modelo patriarcal é uma das explicações para o fenômeno da violência contra a mulher, pois a reduz a objeto de posse e prazer dos homens. Bruno não é louco, apenas corporifica essa ordem social perversa.

Outra hipótese de compreensão do fenômeno é a persistência da impunidade à violência de gênero. A impunidade facilita o surgimento das redes de proteção aos agressores e enfraquece nossa sensibilidade à dor das vítimas. A aplicação do castigo aos agressores não é suficiente para modificar os padrões culturais de opressão, mas indica que modelo de sociedade queremos para garantir a vida das mulheres.

sábado, 10 de julho de 2010

O Segredo dos Teus Olhos

Vi o filme por indicação do Xande Wunderlich.
Para falar a verdade, ele pegou o filme, deixou na minha mesa e me disse: "velho, não venha para o escritório amanhã sem ter visto esta obra de arte." O filme é extraordinário, simplesmente.
Recentemente finalizou este texto e autorizou a publicação no Antiblog.

El Secreto de Sus Ojos: quatro leituras sobre a paixão
Alexandre Wunderlich - Professor de Direito Penal na PUCRS

O Segredo dos Seus Olhos, drama romântico-policial dirigido por Juan José Campanella (Argentina-Espanha/2009), adaptado do romance La pregunta de sus ojos, de Eduardo Sachari.

O filme
Benjamín Espósito (Ricardo Darín) é uma espécie de secretário de diligências do Ministério Público, com atuação no Juízo Penal, que acaba de se aposentar. Longe da cena judiciária, Benjamín decide escrever um livro sobre um caso de homicídio ocorrido há mais de vinte anos. De início, procura a sua antiga chefe, a Doctora Irene Menéndez Hastings (Soledad Villamil), que, nos dias atuais, representaria a Promotoria de Justiça — o filme transcorre em 1974, quando o MP não tinha a configuração atual.
Durante anos, “Benja” atuou ao lado da polícia judiciária nas investigações de crimes. O prestativo agente contava com o apoio de Pablo Sandoval (Guillermo Francella), fiel amigo e colega de cartório judicial. Sandoval é o retrato do típico burocrata (aparentemente) feliz. Funcionário público sem compromisso, simpático e sorridente, encontra na garrafa a razão de seu viver. Para fugir do trabalho, atende ao telefone da repartição, dizendo: ” banco de espermas, setor de doações”.
Procurada, e a fim de auxiliar na escrita do livro, Irene entrega para Benjamín uma antiga máquina de datilografar. Nesse momento, uma rápida frase passa desapercebida para o público leigo. Irene, ao retirar a máquina cheia de poeira de um armário da Corte Penal, declara:” – vai ajudar a escrever, mas deve ser do tempo do caso ‘Petiso Orejudo’”. Refere-se ao famoso caso que data do início do século passado, que é citado por inúmeros criminólogos, do sujeito desajustado desde a infância. A bela Irene fez uma blague com Benjamín, porém o público não tem a obrigação de entender tudo isso.
É nesse contexto que Benjamín inicia a redação de sua novela. Recorda-se, então, do crime bárbaro em que trabalhou, isto é, um violento estupro, seguido de morte. A jovem e bonita vítima era casada com Ricardo Morales (Pablo Rago), a quem Benjamín, diante do visível sofrimento experimentado pelo viúvo, promete prisão perpétua para o culpado.
Duas décadas depois do homicídio, Benjamín Espósito reconstrói o iter criminis: narra como procedeu a apuração dos fatos, o processo e o cumprimento da pena do acusado até a sua inexplicável liberação.
O recorte sobre a investigação prossegue e o roteiro leva o assistente ao passado e ao presente com leveza e rapidez. Ao tempo que reconstrói a história do crime e do processo, tempera o romance com fatos do dia-a-dia contemporâneo.
Fora o excelente drama romântico-policial que fascina a qualquer um — sobretudo quem atua nas Ciências Criminais e quem conhece um pouco da Justiça Penal —, o que me motiva a escrever é sobre a paixão que movimenta o filme ou, ainda, sobre as paixões possíveis que dão cor aos caminhos das pessoas.
A narrativa é, por si só, muito apaixonante e remete ao mundo das paixões de diversas formas e perspectivas — este é o ponto que me interessa.

Paixão 1ª
A localização do autor do delito resolve-se a partir do encontro das cartas do homicida foragido para a sua mãe, em que são citados inúmeros nomes que a princípio nada dizem. Depois, vê-se que são nomes de jogadores de futebol que marcaram a história do “clube do coração” do assassino.
Surge, aqui, a paixão como fanatismo, a paixão clubística. O filme é marcado por uma cena impactante dentro de um estádio, em um jogo do Racing Club. A cena transmite com exatidão a realidade de uma torcida de futebol — é impressionante. O significado que se extrai, nas palavras de Sandoval, é que aquele é um homem, capaz de mudar tudo, mas não muda a sua paixão pelo clube de futebol – muda de rosto, muda de mulher, muda de cidade, muda de trabalho, mas não muda de time; é paixão!

Paixão 2ª
Mas não é só isso. Sandoval, mesmo diante da mira de um revólver, fiel e leal ao amigo Benjamín — é verdade que não tinha muito a perder na vida —, quando indagado qual é o seu nome e se era de fato Benjamín, silencia, vindo a falecer no lugar de seu amigo.
O que se tem, agora, é paixão e desapego. Paixão, pelo bom amigo, que passa o filme sempre pronto para ajudá-lo; desapego, por sua vida desregrada e marcada pelo álcool. Mais do que nunca, reside aqui a paixão de um amigo pelo outro, capaz de levar à morte.

Paixão 3ª
Outra paixão é a do viúvo por sua esposa assassinada. Passam-se os anos e o homem segue na luta por Justiça — na verdade, sedento por Justiça. Passa o tempo e o assassino não cumpre a pena. Isso se deve a inúmeras razões, especialmente aquelas que sempre acabam por definir o Estado, ainda no tempo das ditaduras, como inoperante, ineficaz e, sobretudo, injusto.
A paixão do viúvo leva à paixão por Justiça. Diante da injustiça, da ausência do Estado, o justo é fazer o assassino cumprir a pena – seja de qualquer maneira. O viúvo torna-se carcereiro e consegue, então, manter o assassino preso em uma cela, especialmente preparada, na fazenda onde reside.
Enfim, o condenado cumpre a sua pena — aqui, o silêncio é a tortura. A leitura é a seguinte: onde não autuou o Estado, atuou o homem. Vale frisar, contudo, que o viúvo é um homem apaixonado, não um homem sem paixão. É um homem capaz de romper os limites e buscar a sua forma particular de fazer Justiça. Há, aqui, a paixão por vingança e por Justiça que, mesmo passados os anos, ainda impera no seu coração.

Paixão 4ª
Entretanto, a paixão essencial que move a narrativa é outra: diz respeito a Benjamín e a Irene. Ambos trabalharam juntos por mais de 20 anos. Entre olhares e gestos reveladores que não conseguem ocultar os pensamentos íntimos, eles passaram a vida em distância: perto-longe; juntos-separados. Ele acompanha o casamento dela com um sujeito que tem mais de cinco sobrenomes. Há uma passagem no filme que, diante dela, Benjamín é humilhado por um policial inescrupuloso – “você não é para ela”!
Eram contextos diferentes. Durante muitos anos, ele soube o seu lugar. Ficou assistindo à vida passar. Sozinho. Ela casou e teve filhos. E depois de vinte e cinco anos, aquela paixão não se apagou. Estava acesa. Não sucumbiu. Não era algo que o tempo pudesse abafar. Bastava um olhar... Uma palavra... O filme apresenta esta paixão impossível que, ao final, acaba por tornar-se uma realidade.
Então, o que o filme me trouxe como espectador? Que as grandes ações exigem paixão. Que não existe uma racionalidade pura. Que não se pode mudar a ordem natural das coisas sem paixão. Que talvez as grandes mudanças de uma vida ocorrem em razão da paixão. Afinal, boas e más paixões levam às boas e às más mudanças.
Uma paixão pode ser aguda e violenta, pode ser duradoura e profunda. Paixões em suas inúmeras formas, cores e cheiros. Mas, afinal, o que motiva o ser humano para além da paixão? O que faz o homem caminhar? Nada além da paixão. A paixão pelo clube. A paixão que leva ao crime e que leva à morte. A paixão patológica. A paixão por justiça, que é paixão de se buscar. A paixão por amor, que é paixão de felicidade ou de sofrimento. Não se pode, de nenhuma forma, viver sem paixão. Já dizia o poetinha "Ser feliz é viver morto de paixão."

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Música, Cultura de Paz e Mudanças

O Paulinho Caleffi me enviou por e-mail.
O projeto "Playing for Change" é auto-explicativo. Uma das iniciativas mais emocionantes que vi ultimamente.
"Temos a Arte para não morrer de Verdade", relembro a frase do Frederico que postei recentemente.

sábado, 3 de julho de 2010

Ridiculum Vitae

De tarde, um amigo - colega do docência - havia ligado: "velho, te indiquei para dar uma entrevista para a imprensa marrom. Sistema carcerário. Disse que tu entendia do assunto e que a tua experiência no Conselho Penitenciário era importante de ser relatada".
O sujeito responde: "Pô, não ph...! Sabes que não gosto de imprensa. A gente fala uma coisa e os jornalistas - e, sobretudo, o público - sempre entendem outra..."
Chega em casa de noite, depois da aula, pronto para jantar com a mina e tomar um vinho. Telefone toca. Número desconhecido.
Primeiro impulso: não atender.
O sujeito reluta. O fone para de tocar. Toca novamente... Atende.
"Dr., é da redação da imprensa marrom, o Sr. teria um tempinho..."
O cara elabora: "Tudo bem, é interessante publicizar o que se pensa sobre o tema."
Longa entrevista, cerca de 30 minutos.
No final, repensa: "acho que ficou bom, não há o que se preocupar, o cara entendeu meu ponto de vista."
Resultado: a entrevista é publicada (aqui) e o sujeito, que até então se pensava abolicionista, vira um entusiasta das práticas da Polícia Militar no sistema carcerário.
Ridiculum Vitae!

Sobre Futebol e Culpabilizações

Foi terminar o jogo e as manchetes da nossa imprensa sensacionalista eram uníssonas: "De heroi a vilão". Na capa dos principais tablóides eletrônicos (v.g. Uol, Globo On Line, Terra) a mesma chamada - o que demonstra a pasteurização e a falta de criatividade da imprensa marrom. "Jornalixo puro", diria um amigo 'das antiga'.
A falta de capacidade de uma reflexão um pouco mais elaborada sobre um fenômeno nada complexo sobre o futebol - se comparado à questão da violência, p. ex. - deixa evidenciada as marcas do jornalismo autal: superficialidade e moralização da informação.
E o principal sintoma da moralização são os processos de culpabilização: identificar o inimigo, o vilão ou o aliado, o heroi. Neste pêndulo maniqueísta próprio dos pânicos morais nossa sociedade goza.
Causas da desclassificação: inúmeras; nenhuma determinante. Culpados: existem? É possível direcionar toda a raiva para o técnico - que não chamou quem a imprensa queria para manter ainda mais coeso o grupo com que vinha trabalhando desde 2006? -, o volante - pelo estado emocional? -, o goleiro - pela falha no primeiro gol?
Prefiro não culpar ninguém, pois não creio que exista "O" culpado. Fiquei triste e vou seguir assistindo aos jogos - com especial preferência pela esquadra celeste, neste momento. E esperar a continuidade do que efetivamente me interessa neste ano: Libertadores da América.
A propósito: sobre a complexidade da violência, das culpas, das demonizações e das resoluções de conflitos, o GCrim assistirá nesta semana o filme Desonra, com John Malkovich, baseado no livro homônimo do Nobel de literatura J. M. Coetzee. De conteúdo assustador...