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terça-feira, 30 de novembro de 2010

Empresários e Pânicos Morais em Dois Atos

1o. Ato.
Ainda existem professores que acreditam que a Criminologia é apenas uma crítica ao Direito Penal, ou seja, que se limita a ser a consciência crítica da estrutura normativa. Vício decorrente da consolidação de uma importante linha da Criminologia Crítica, mas que precisa, urgentemente, fazer autocrítica.
Para aqueles que estudam Criminologia, o fenômeno dos pânicos morais (Becker e Cohen) não é nenhuma novidade. Muito menos a forma pela qual os empresários morais produzem pânicos morais em eventos espetaculares, como a atual "guerra no Rio".
A propósito, vivenciamos uma época de consolidação de guerras sem fim (guerra às drogas, ao terrorismo, à criminalidade). E para quem consegue perceber que as "palavras dizem coisas", que os "símbolos constróem campos de significados" e que o "inconsciente se estrutura como linguagem" - tudo bem, fui longe na psicanálise lacaniana na última referência - a imagem de guerra efetivamente define formas de atuação das agências do sistema penal.

2o. Ato.
Ontem de noite assisti dois programas de televisão simultaneamente, ambos sobre "o problema do Rio."
No Roda Viva (TVE), o Luis Eduardo Soares demonstrou com todos os argumentos e dados empíricos possíveis que o tráfico de entorpecentes é uma empresa em franca decadência e que a política de guerra às drogas é uma equivocada ação que gera, exclusivamente, dor e encarceramento massivos. Resta claro que após 30 anos de war on drugs o saldo é contabilizado em injustificáveis mortes de policiais, de suspeitos e da população civil que habita zonas de vulnerabilidade. "Não há tráfico sem a conivência dos Poderes Públicos"; "temos que reformar, urgentemente, nossas Polícias", ressaltou, vez mais, o antropólogo.
O entrevistadores, atentos, se espantavam com cada dado relativo ao fracasso da política de drogas. Dados que a Criminologia, sobretudo a Crítica, apresenta desde o final da década de 80.
No mesmo horário, na Província de São Pedro, em programa de grande repercussão regional, o criminólogo Rodrigo G. Azevedo tentava expor argumentos antiproibicionistas e o problema que a criminalização das drogas tem gerado na sociedade brasileira. No entanto, o âncora do programa - e esta imagem é emblemática pois o substantivo significa "peça de aço com dois ou mais bicos, presa a um cabo ou a uma corrente, para fixar o navio" (Dicionário Aurélio) -, visivelmente incomodado com o discurso extramoral, impedia qualquer desenvolvimento da argumentação. "Alternativas, nem pensar"; "que o barco fique preso neste modelo", era o que o seu silêncio ecoava.
E segue a imprensa marron acreditando nas fantasias produzidas pelos discursos legitimadores do sistema penal.
E segue a imprensa marron proliferando pânicos morais.

["Eu acredito em Duendes", frase cunhada por Lasier Martins]

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Direito e Literatura

O André Karam Trindade, do Instituto de Hermenêutica Jurídica (IHJ), informa que estão disponíveis na web, gratuitamente, todas as edições do programa Direito & Literatura, exibido pela TVE do Rio Grande do Sul e TV Justiça (clique aqui).

Conflitualidade Social e Acesso à Justiça

O título do post é o tema geral da Revista Civitas, volume 10, número 02 (2010), coordenada pela Jacqueline Sinhoretto e pelo Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo.
Texto integral disponível na web (clique aqui).

domingo, 28 de novembro de 2010

Segurança Pública e Direitos Humanos no Rio de Janeiro

Artigo publicado na Folha de São Paulo (28.11.10) e enviado pelo Moyses Neto.

Não Haverá Vencedores - Marcelo Freixo
Dezenas de jovens pobres, negros, armados de fuzis, marcham em fuga, pelo meio do mato. Não se trata de uma marcha revolucionária, como a cena poderia sugerir em outro tempo e lugar.
Eles estão com armas nas mãos e as cabeças vazias. Não defendem ideologia. Não disputam o Estado. Não há sequer expectativa de vida.
Só conhecem a barbárie. A maioria não concluiu o ensino fundamental e sabe que vai morrer ou ser presa.
As imagens aéreas na TV, em tempo real, são terríveis: exibem pessoas que tanto podem matar como se tornar cadáveres a qualquer hora. A cena ocorre após a chegada das forças policiais do Estado à Vila Cruzeiro e ao Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro.
O ideal seria uma rendição, mas isso é difícil de acontecer. O risco de um banho de sangue, sim, é real, porque prevalece na segurança pública a lógica da guerra. O Estado cumpre, assim, o seu papel tradicional. Mas, ao final, não costuma haver vencedores.
Esse modelo de enfrentamento não parece eficaz. Prova disso é que, não faz tanto tempo assim, nesta mesma gestão do governo estadual, em 2007, no próprio Complexo do Alemão, a polícia entrou e matou 19. E eis que, agora, a polícia vê a necessidade de entrar na mesma favela de novo.
Tem sido assim no Brasil há tempos. Essa lógica da guerra prevalece no Brasil desde Canudos. E nunca proporcionou segurança de fato. Novas crises virão. E novas mortes. Até quando? Não vai ser um Dia D como esse agora anunciado que vai garantir a paz. Essa analogia à data histórica da 2ª Guerra Mundial não passa de fraude midiática.
Essa crise se explica, em parte, por uma concepção do papel da polícia que envolve o confronto armado com os bandos do varejo das drogas. Isso nunca vai acabar com o tráfico. Este existe em todo lugar, no mundo inteiro. E quem leva drogas e armas às favelas?
É preciso patrulhar a baía de Guanabara, portos, fronteiras, aeroportos clandestinos. O lucrativo negócio das armas e drogas é máfia internacional. Ingenuidade acreditar que confrontos armados nas favelas podem acabar com o crime organizado. Ter a polícia que mais mata e que mais morre no mundo não resolve.
Falta vontade política para valorizar e preparar os policiais para enfrentar o crime onde o crime se organiza -onde há poder e dinheiro. E, na origem da crise, há ainda a desigualdade. É a miséria que se apresenta como pano de fundo no zoom das câmeras de TV. Mas são os homens armados em fuga e o aparato bélico do Estado os protagonistas do impressionante espetáculo, em narrativa estruturada pelo viés maniqueísta da eterna "guerra" entre o bem e o mal.
Como o "inimigo" mora na favela, são seus moradores que sofrem os efeitos colaterais da "guerra", enquanto a crise parece não afetar tanto assim a vida na zona sul, onde a ação da polícia se traduziu no aumento do policiamento preventivo. A violência é desigual.
É preciso construir mais do que só a solução tópica de uma crise episódica. Nem nas UPPs se providenciou ainda algo além da ação policial. Falta saúde, creche, escola, assistência social, lazer.
O poder público não recolhe o lixo nas áreas em que a polícia é instrumento de apartheid. Pode parecer repetitivo, mas é isso: uma solução para a segurança pública terá de passar pela garantia dos direitos básicos dos cidadãos da favela.
Da população das favelas, 99% são pessoas honestas que saem todo dia para trabalhar na fábrica, na rua, na nossa casa, para produzir trabalho, arte e vida. E essa gente -com as suas comunidades tornadas em praças de "guerra"- não consegue exercer sequer o direito de dormir em paz.
Quem dera houvesse, como nas favelas, só 1% de criminosos nos parlamentos e no Judiciário...

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Crise no Rio de Janeiro

Importantes as reflexões do Luiz Eduardo Soares sobre a abordagem da imprensa nos últimos acontecimentos no Rio de Janeiro: http://luizeduardosoares.blogspot.com/.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Todas as Cores no Direito

Foi emocionante estar, ontem, no Salão Nobre da Faculdade de Direito.
O seminário "Sexualidade Tem Todas as Cores", organizado pelo G8 Generalizando, do SAJU, reuniu acadêmicos e militantes do movimento GLBTT que debateram assuntos de extrema relevância para a cultura contemporânea. Temas delicados e, muitas vezes, aporéticos.


Mas para além do debate, o emocionante foi vivenciar a experiência da diversidade dentro dos muros do castelinho.
Na foto, uma das palestrantes, Marcele Malta, da Igualdade - Associação de Travestis e Transexuais do Rio Grande do Sul, dá entrevista sobre homofobia no (ainda vazio) Salão Nobre. Minutos mais tarde era difícil encontrar lugar nas primeiras filas do auditório.
Parabéns aos organizadores!

"Não se Nasce Mulher" (Simone de Beauvoir)

"O Continente Feminino" é o documentário sobre a escritora, feminista, intelectual Simone de Beauvoir, dirigido por Virginie Linhart (2007), disponibilizado no blog Diario Gauche. Imperdível (clique aqui).
Na imagem, fotografia furtiva tirada de Beauvoir.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Perspectivas do Direito Obrigacional

NOVAS PERSPECTIVAS DO DIREITO OBRIGACIONAL
HOMENAGEM À PROF. JUDITH MARTINS-COSTA
26 de Novembro de 2010 (16:30)
Salão Nobre da Faculdade de Direito da UFRGS

Min. Eros Roberto Grau
Profa. Dra. Véra Maria Jacob de Fradera
Min. Paulo de Tarso Sanseverino
Profa. Dra. Judith Martins-Costa


É com grande tristeza que o CAAR comunica que a Profa. Dra. Judith Martins-Costa está deixando de integrar, formalmente, o corpo docente da nossa Faculdade de Direito. Todos os alunos da Egrégia lamentam muito sua saída – ou por terem o contato com a Professora interrompido em relação aos vínculos universitários, ou por não terem tido a oportunidade ímpar de se relacionar com a Professora em seus incontáveis âmbitos de atuação na Universidade.
O Centro Acadêmico André da Rocha, contando com a colaboração da Pós-Graduação em Direito (PPGDIR), da Faculdade de Direito e de um grupo de discentes, vem anunciar a presente Homenagem à Professora Judith, na forma de Evento ligado à área que tão bem desenvolveu cientificamente: o Direito Obrigacional, entendido sob a égide do princípio da boa-fé.
O evento se propõe a homenagear a Professora pelos seus quase vinte anos de dedicação aos alunos da Faculdade de Direito da UFRGS. Suas atividades como docente englobaram não somente o Ensino - em aulas, as quais somente os presentes podem relatar a excelência, a Pesquisa – ao contribuir decisivamente para a formação de uma série de juristas de destaque no cenário gaúcho, nacional e internacional, bem como a Extensão, por meio de eventos que movimentaram e influenciaram não só a Faculdade de Direito, mas a cultura jurídica no Rio Grande do Sul – sendo exemplo o Seminário de História que condecorou Doutor honoris causa o Ministro da Suprema Corte Italiana, Prof. Paolo Grossi.
Objetiva-se incentivar o rico debate acadêmico dentro de nossa Instituição, através da discussão de “Novas Perspectivas do Direito Obrigacional”. Para tanto, contaremos com a presença de ilustres juristas, que cresceram e fizeram crescer, em uma relação recíproca, a Professora e os envolvidos no estudo do tema.
Mais do que ensinar a ler códigos ou a interpretar o direito, a contribuição e a meta da Professora Judith, como sempre expôs em suas primeiras aulas nas disciplinas que ministrou, foi estimular a pensar – o direito, a cultura e a sociedade. Não pode haver incentivo acadêmico maior do que este, razão pela qual a Homenagem visa a retribuir o que a Professora foi, o que ela é e o que ela continuará sendo para os seus alunos – um imenso exemplo a ser seguido.
Evento aberto ao público.
Para aqueles que desejarem certificado de 4h complementares, será cobrado a taxa de R$ 5,00.
Inscrições pelo CAAR: caarufrgs@gmail.com – Fone: (51) 3308-3598 – Endereço: Av. João Pessoa, nº 80, térreo
Realização: Centro Acadêmico André da Rocha (CAAR)
Apoiadores: Faculdade de Direito da UFRGS e Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGDir)
Equipe Organizadora (acadêmicos): Bruno Bastos Becker, Dóris Amaral Kümmel, Ezequiel Fajreldines dos Santos, Francisco Ponzoni Pretto, Giovana Valentiniano Benetti, Guilherme Seibert, Isabelle Bueno, Lucas do Nascimento, Lucas Gerhardt Gavronski, Rafael Abreu, Rafael Branco Xavier.

Habana Blues



O clipe é de Habana Blues. O filme é espetacular. Com a Mari assisti novamente neste final de semana. Em certa ocasião, andando pelas ruas de Sevilha, vi cartazes de uma apresentação do grupo cubano que "deu origem ao" ou "se originou com" o filme. Seria "massa" ver um show desta banda que não sei se ainda existe.
Enquanto isso tento encontrar na internet a tablatura das músicas que compõem a trilha. No cifras.com só encontrei "Arenas de Soledad", outra música linda e com letra tocante. Se alguém tiver ou resolver "tirar o som" de "Solos Tu y Yo", manda! Tarefa própria para o parceiro e mestre da guitarra Daniel Achutti.
Grande roteiro, trilha sonora de qualidade.
Vale conferir.

Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica (Schecaira) e Culpabilidade (Davi Tangerino)

domingo, 21 de novembro de 2010

Todas as Cores da Sexualidade

"A SEXUALIDADE TEM TODAS AS CORES"
Dia 23 de novembro (terça-feira)
Salão Nobre, Faculdade de Direito (UFRGS)

História Movimento do LGBT no RS (10h às 12h)
Mediador: Fernando Seffner (UFRGS)
Painelistas: Célio Golin (Nuances); Claudete Costa (Liga Brasileira de Lésbicas); Alexandre Böer (SOMOS - Comunicação, Saúde e Sexualidade); Marcelly Malta (Igualdade RS)

O Reconhecimento do Estado às múltiplas sexualidades (14h às 16h)
Mediadora: Gabriela Souza Antunes (G8-Generalizando / SAJU-UFRGS)
Painelistas: Rui Portanova (Desembargador TJRS); Roger Raupp Rios (Juiz Federal); Márcia Medeiros de Farias (Ministério Público do Trabalho RS); Célio Golin (Nuances)

Identidade de Gênero: Fronteiras e Transgressões (16h30 às 18h30)
Mediadora: Cláudia Penalvo (SOMOS - Comunicação, Saúde e Sexualidade)
Painelistas: Guacira Lopes Louro (UFRGS); Henrique Nardi (UFRGS); Elisabeth Zambrano (UFRGS); Marcelly Malta (Igualdade RS)

IV Jornadas de Ciência Penal, Constituição e Direitos Humanos


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Ainda Sobre Imagens e Significados

"(...) quando o mundo real se transforma em simples imagens, as simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes de um comportamento hipnótico" (Guy Debord, A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000, p. 18).

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A Casa dos Mortos [GCrim Cinema]

Nesta quinta-feira, dia 18, 11:30, na sala Alberto Pasqualini, Faculdade de Direito (UFRGS), assistiremos o filme "A Casa dos Mortos", dirigido pela Débora Diniz, antropóloga (UnB) e documentarista. Trata-se de verdadeira etnografia, registrada em película, sobre os temas sanidade-loucura, (anti)psiquiatria, reforma psiquiátrica/movimento antimanicomial e o papel das instituições no tratamento punitivo da loucura.
Após debaterão com o GCrim o Pedro Pacheco (Mestre e Doutorando em Psicologia na PUCRS) e a Mari Weigert (Mestre e Doutoranda em Criminologia na UAB).
Entrada livre.
 
 

domingo, 14 de novembro de 2010

Ética, Estética e Política

Foi recentemente lançado o livro Encontros entre Direito e Literatura II: Ética, Estética e Política (Porto Alegre: Edipucrs, 2010), organizado pelos meus queridos amigos Clarice Sohngen e Alexandre Costi Pandolfo.
Contribuo com um artigo antigo, Criminologia na Alcova.
Ontem iniciei a leitura por dois textos de outros dois queridos amigos: Ricardo Timm de Souza (Sobre Estética - 99 Aforismos) e Germano Schwartz (Um Admirável Novo Direito: Autopoiese, Risco e Altas Tecnologias Sanitárias).

Deixo de presente dois dos aforismos do artigo do Ricardo:

"LXXV. Na 'Maja Desnuda', não é o corpo somente que provoca, mas o espaço que as cores abriram nas camadas de hipocrisia bem vestida."


"LXXVI. Na 'Família Real', se os adultos são frutos apodrecidos prestes a despencar dos galhos que os suportam, as crianças ainda não entenderam todos os meandros da mediocridade; por isso, o susto substitui, nelas, a afetação tediosa dos adultos, encarnação de todos ridículo da humanidade. E, de alguma maneira, o vermelho é cúmplice de Goya em sua tarefa."

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Imagens Dizem Coisas, Dizem...

A Mari Wudich enviou o banner publicitário do vestibular para a Faculdade de Direito da Fundação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (opção 02 no site oficial da Instituição - www.fmp.com.br/).
Vou simplesmente me abster de quaisquer comentários.
Mas ficam inúmeros questionamentos, sobretudo os relativos à imagem que a Instituição quer transmitir aos seus candidatos e aos futuros acadêmicos.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Vargas Llosa e a Descriminalização

A Resposta da Califórnia - Mario Vargas Llosa
Os eleitores do Estado da Califórnia rejeitaram na terça-feira a legalização do cultivo e do consumo da maconha por 53% dos votos a 47%, uma decisão que considero muito equivocada. A legalização teria sido um passo importante na busca de uma solução eficaz para o problema da delinquência vinculada ao narcotráfico que, segundo o que acaba de ser anunciado oficialmente, já causou este ano o impressionante total de 10.035 mortes no México.
Esta solução passa pela descriminalização das drogas, ideia que há pouco tempo era inaceitável para a maior parte de uma opinião pública convencida de que a repressão policial aos produtores, vendedores e usuários de entorpecentes seria o único meio legítimo de pôr fim a semelhante praga.
A realidade revelou o quanto esta ideia é ilusória, à medida que todos os estudos indicavam que, apesar das astronômicas somas investidas e da gigantesca mobilização de efetivos para combatê-las, o mercado das drogas continuou a crescer. Ele se estendeu por todo o mundo, criando cartéis mafiosos de imenso poder econômico e militar que - como vemos no México desde que o presidente Felipe Calderón decidiu enfrentar os chefes traficantes e suas gangues de mercenários - pode combater em pé de igualdade, graças ao seu poderio, com os Estados nos quais conseguiram se infiltrar por meio da corrupção e do terror.
Os milhões de eleitores californianos que votaram a favor da legalização da maconha são um indício auspicioso de que cada vez é maior o número daqueles que pensam que chegou a hora de uma mudança na política para lidar com as drogas e de uma reorientação dos esforços - de repressão e prevenção, de cura e informação - no sentido de acabar com a criminalidade desaforada que é criada pela proibição e com os estragos que os cartéis estão infligindo às instituições democráticas, principalmente nos países do terceiro mundo. Os cartéis podem pagar salários melhores que o Estado e assim neutralizar ou pôr a seu serviço parlamentares, policiais, ministros e funcionários, financiando campanhas políticas e adquirindo meios de comunicação para defender seus interesses.
Desta forma, eles proporcionam trabalho e sustento a inúmeros profissionais nas indústrias, no comércio e nas empresas legais dentro das quais imensas quantias são lavadas. O fato de tantas pessoas dependerem da indústria das drogas cria um estado de tolerância ou indiferença diante das implicações deste mercado, ou seja, da degradação e da derrocada da legalidade. É um caminho que, mais cedo ou mais tarde, conduz ao suicídio da democracia.
A legalização das drogas não será fácil, é claro, e num primeiro momento, como assinalam seus detratores, trará sem dúvida um aumento no seu consumo. Por isso, a descriminalização só tem razão de ser se for acompanhada de intensas campanhas de informação sobre os prejuízos que esse consumo implica, semelhantes às que foram promovidas com sucesso para reduzir o consumo do tabaco em quase todo o mundo, e aos esforços paralelos para desintoxicar e curar as vítimas do vício.
Mas seu efeito mais positivo e imediato será a eliminação da criminalidade que prospera exclusivamente graças à proibição. Como ocorreu com as organizações de gângsteres que se tornaram todo-poderosas e encheram de sangue e cadáveres as ruas de Chicago, Nova York e outras cidades americanas nos anos da Lei Seca, um mercado legal acabará com os grandes cartéis, privando-os de seu lucrativo negócio e levando-os à ruína. Como o problema da droga é fundamentalmente econômico, sua solução também precisa passar pela chave econômica.
Sob a forma de tributos, a legalização trará aos Estados grandes recursos que, se forem empregados na educação dos jovens e na informação do público em geral a respeito dos efeitos nocivos que o consumo dos entorpecentes causa na saúde, podem trazer um resultado infinitamente mais benéfico e de alcance mais amplo do que uma política repressiva que, além de provocar uma violência vertiginosa e encher de insegurança a vida cotidiana, não fez retroceder o vício nas drogas em nenhuma sociedade.
Em artigo publicado no New York Times no dia 28, o colunista Nicholas D. Kristof cita um estudo presidido pelo professor Jeffrey A. Miron, de Harvard, no qual se calcula que a simples legalização da maconha em todo o território americano representaria uma arrecadação anual de US$ 8 milhões em impostos para o Estado, ao mesmo tempo poupando a este uma quantia proporcional habitualmente investida na repressão. Com esta gigantesca injeção de recursos voltados para a educação, principalmente nos colégios dos bairros pobres e marginalizados de onde sai a imensa maioria dos viciados, em poucos anos o tráfico de drogas seria reduzido neste setor social que é responsável pelo maior número dos casos de assassinato, delinquência juvenil e decomposição da família.
Kristof cita também um estudo realizado por ex-policiais, juízes e fiscais dos Estados Unidos, no qual se afirma que a proibição da maconha é a principal responsável pela multiplicação das gangues violentas e dos cartéis que controlam a distribuição e a venda da droga no mercado negro, obtendo com isso "imenso proveito".
Para muitos jovens que moram nos guetos negros e latinos, já muito atingidos pelo desemprego provocado pela crise financeira, essa possibilidade de ganhar dinheiro rápido com o crime se mostra irresistivelmente atraente.
A estes argumentos "pragmáticos" em defesa da descriminalização das drogas, seus adversários respondem com um argumento moral. "Será que devemos nos render ao delito em todos os casos nos quais a polícia se mostre incapaz de deter o delinquente, optando, assim, por legitimá-lo? Será que deveria ser esta a resposta para a pedofilia, por exemplo, para a violência doméstica, os crimes contra as mulheres e outros fenômenos que, em vez de recuar, aumentam por toda parte? Devemos abaixar a guarda e nos render, autorizando tais práticas diante da impossibilidade de eliminá-las?"
Não se deve confundir as coisas. Um Estado de direito não pode legitimar os crimes e os delitos sem negar a si mesmo e converter-se num Estado bárbaro. E um Estado tem a obrigação de informar seus cidadãos a respeito dos riscos que estes correm ao fumar, beber álcool e usar drogas, é claro. E também de impor sanções e penas severas àqueles que, por fumar, se embriagar ou usar drogas, causem danos aos demais. Mas não me parece muito lógico nem coerente que, sendo esta a política seguida por todos os governos em relação ao tabaco e ao álcool, não seja esta a política seguida também para o caso das drogas, incluindo as drogas leves, como a maconha e o haxixe, apesar de já ter sido provado que seu efeito não é mais nocivo do que o produzido pelo consumo excessivo de tabaco e álcool, podendo até ser menos maléficas do que estas duas substâncias legalizadas.
Não tenho a menor simpatia pelas drogas, sejam elas leves ou pesadas, e a figura do drogado, assim como a do bêbado, me parece bastante desagradável, na verdade, além de incômoda e inspiradora de desgosto.
Mas também me desagradam profundamente as pessoas que assoam o nariz na minha frente usando os dedos, que palitam os dentes ou comem frutas com sementes, caroços e cascas, e nunca me ocorreu defender uma lei que as proíba de fazê-lo e as castigue com a prisão caso a desrespeitem.
Liberdade. Por isso, não vejo por que o Estado teria de proibir uma pessoa adulta e dona do próprio juízo de causar mal a si mesma ao fumar maconha, cheirar cocaína ou encher-se de pastilhas de ecstasy se isto lhe agrada, alivia sua frustração ou sua apatia. A liberdade do indivíduo não pode significar o direito de fazer apenas coisas boas e saudáveis, mas também outras que não o sejam, respeitando a condição, é claro, de que estas não prejudiquem nem causem dano aos demais. Esta política, que se aplica ao consumo do tabaco e do álcool, deveria também reger o consumo das drogas. É perigosíssimo que o Estado comece a definir aquilo que é bom e saudável e aquilo que é ruim e prejudicial, pois tais decisões representam uma intromissão na liberdade individual, princípio fundamental de uma sociedade democrática.
Por este rumo podemos chegar sem perceber ao desaparecimento da soberania individual e a uma forma disfarçada de ditadura. E as ditaduras, como sabemos, são para os cidadãos infinitamente mais mortíferas do que os piores entorpecentes.

[Fonte: Estado de São Paulo, 07.11.10]

Osso Duro de Roer

O debate “Elite da tropa: violência e estratégias narrativas” ocorreu no final da tarde deste domingo na Sala dos Jacarandás, no Memorial do Rio Grande do Sul. O evento contou com as participações de Luiz Eduardo Soares, Salo de Carvalho e Alexandre Wunderlich e teve como enfoque as experiências reais das situações demonstradas nos filmes Tropa de Elite 1 e 2 e nos livros Elite da Tropa 1 e 2. Um dos autores das obras literárias, Luiz Eduardo Soares ressaltou os resultados junto ao público que as obras atingiram, ultrapassando os limites acadêmicos:
- Escrever os livros foi uma experiência gratificante, mas por outro lado tratam de temas dolorosos. Espero que sirvam para um aperfeiçoamento no acesso à Justiça sem ideologias políticas, que não seja um tema debatido no período eleitoral e depois esquecido. Da mesma forma, as oposições em vez de comemorarem as tragédias assumam um papel de coalizão, para melhorar o debate.
O advogado criminalista e professor da Ufrgs, Salo de Carvalho, comemorou a inclusão do tema dos direitos humanos nas narrativas. Segundo ele, o Brasil, ao contrário do discurso da mídia, vive uma era de “hiperpunitivismo”, com 500 mil encarcerados. No entanto, a sociedade entende que a impunidade é a regra.
- A imagem do tráfico no Rio de Janeiro forja o senso comum da repressão no Brasil – salientou, e ainda lembrou a atual situação do Presídio Central de Porto Alegre, considerado o maior da América Latina: – Temos um Carandiru em Porto Alegre.
Já o coordenador de Departamentos Criminais da PUCRS, Alexandre Wunderlich, revelou que o primeiro contato com o filme Tropa de Elite provocou uma certa resistência com relação ao corpo docente. Entretanto, admitiu que até mesmo para o estudante a obra mostra o que ele irá enfrentar pela frente e criticou a Justiça Criminal brasileira:
- A Justiça Criminal no Brasil acabou, só falta alguém apertar o botão. Lembrando o Presídio Central, o local pode ser interditado a qualquer momento por questões ambientais, isso sem falar nas condições em que os presos se encontram.
Luiz Eduardo Soares comentou ainda o caos da Polícia Militar carioca e as relações das milícias urbanas com a criminalidade:
- A instituição da Polícia está degradada e o crime organizado se vale dela para se manter. Somente uma revitalização dessas corporações pode mudar alguma coisa.
[Fonte: http://wp.clicrbs.com.br/blogdoleitor/ - 07.11.10]

sábado, 6 de novembro de 2010

Luiz Eduardo Soares em Porto Alegre

A programação com o Luiz Eduardo Soares, neste final de semana, em Porto Alegre, será intensa.
Domingo, dia 07 de novembro, 18:00, junto com o Alexandre Wunderlich, discutiremos o mais recente livro na Feira do Livro, em palestra intitulada Elite da Tropa: Violência e Estratégias Narrativas. Local: Sala dos Jacarandás/Memorial do Rio Grande do Sul. Observação: tranquilamente é pssível participar do debate e depois assistir ao velho Beatle.
Na segunda-feira, dia 08, serão dois eventos.
De manhã, 09:00, no auditório da ESADE (Rua Luiz Afonso, 84, Cidade Baixa), o Germano Schwartz e a Renata Costa coordenam painel sobre violência e segurança pública.
No final da tarde, 19:00, no Salão Nobre da Faculdade de Direito da UFRGS, o Arthur Reis, do GCrim, presidirá mesa cujos debatedores, além do Luiz Eduardo, serão Marcos Rolim e Domingos Drech da Silveira.
Programação intensa para intensos debates.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Laerte e o Travestimento

Achei fantástica a entrevista do Laerte para a Ilustrada, da Folha.
"Acho possível sair na rua e ser aceita dessa maneira."
Cartunista explica que sempre teve vontade de se vestir como mulher e que o prazer 'é você estar livre dos códigos'. De salto médio, meias coloridas, maquiagem leve e namorada a tiracolo, Laerte chega para dar entrevista à Folha sobre seu novo estilo de vida. Confira.
Folha - Diversas possibilidades para a mudança do seu estilo de vida passam pela cabeça. A primeira delas é que você pirou, um processo que teria começado em 2005, com a morte de seu filho num acidente de carro, passou pelas tiras da Ilustrada, cada vez mais estranhas, e agora isso. Você está louco, Laerte? Laerte Coutinho - Eu não me sinto fora do eixo, fora do tom, fora de nada. Comecei a me aproximar do travestimento, ou "cross-dressing", em 2004. Interrompi -e a morte de meu filho tem um peso nisso- e retomei em 2009. Fiz a minha primeira montagem em 2009. Mas as coisas que se evidenciaram [em meu trabalho] a partir de 2005 já estavam ali, latentes, germinando em 2004.
Uma segunda possibilidade é que você se veste porque isso dá tesão. Não, não é um fetiche sexual. Não é, nem é um tema que me interessa agora. O travestimento é uma questão de gênero, não de sexo. São coisas independentes, autônomas, que nem o executivo e o legislativo. É um erro fazer essa mistura. "Ah, está vestido de mulher, então é viado." "Jogou bola, é macho." E eu que gostava de costurar e de jogar bola?
O que tenho feito é investigar essa parte de gênero. O que tenho descoberto é que isso é muito arraigado, essa cultura binária, essa divisão do mundo entre mulheres e homens é um dogma muito forte. Não se rompe isso facilmente. desafiar esses códigos perturba todo o ambiente ao redor de você.
Mas você é bissexual, certo? Sou.
E não há ligação entre isso e o "cross-dressing"?Não.
Você está fazendo isso para espantar o tédio? Não faço isso porque a vida está sem graça. O problema é a vida submetida a essa ditadura dos gêneros, a esses tabus que não podem ser quebrados. É você sentir que sua liberdade está sendo tolhida, que as possibilidades infinitas que você tem de expressão na vida, ao sair, ao se vestir, ao se manifestar, ao tratar as pessoas, seu modo, seu gestual, sua fala, tudo isso é cerceado e limitado por códigos muito fortes e muito restritos. Isso é uma coisa que me incomoda.
As pessoas aparentam normalidade e tentam não demonstrar um espanto, certo? Por uma razão: se demonstram espanto, estão ferindo um código de boa conduta intelectual. Demonstram que não são modernos, por exemplo.
E na rua? Quando eu estou na rua de saia e passa uma kombi e o cara faz "fiu-fiu" pra mim, ele não teve dificuldade nenhuma em fazer aquilo. E eu também recebo de forma muito clara.
Você dá pistas de que vai estar travestido quando vai encontrar uma pessoa que ainda não sabe? Existe uma tática, um modo de preparar um pouco. Vou na casa de uma pessoa que não conheço, não vou totalmente montado. Questão de bom senso.
Mas você pode ir de homem? Estou abolindo esses negócios.
Você pode ir sem maquiagem? Eu estou sem maquiagem. Ops, ah, não, estou com olho pintado! Mas posso, sim, ir sem maquiagem.
Como foi o Natal em família? Com vestido? Não, não. Só unha mesmo. Não estava nem de bolsa. Acho que foi mais mãos mesmo. Rolou um certo estranhamento com o cabelo. Esse corte feminino, feito pela [minha namorada] Tuca.
Avisou de alguma forma para se prepararem? Não, fui na louca.
E o Angeli? Você já encontrou o Angeli? Eu estou dando pra ele! (risos)
Ele vai adorar ler isso! (Risos) Brincadeira. O Angeli é uma beleza. Achou superlegal. O Angeli é um exemplo de que uma pessoa pode ser completamente hétero e legal.
Como você explica isso para as pessoas? É como se a vida tivesse me levado a essa circunstância e, quando eu me vi, percebi que aquilo representava uma busca pra mim. Foi mais ou menos isso que senti. Quando vi, comecei a fazer tiras do Hugo virando a Muriel.
O lema do Brazilian Crossdresser Club, do qual você faz parte, é "existimos pelo prazer de ser mulher". Que prazer é esse, Laerte? Eu não concordo muito com esse lema, porque é uma frase que procura construir uma certa fantasia que eu não partilho. Eu não vou ser mulher nunca. Mas acho que é possível sair na rua e ser aceita como uma pessoa que se veste daquela maneira, que se enfeita e se produz e se apresenta daquela maneira.
[Fonte: Ilustrada, Folha de São Paulo, 04.11.10]

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Tropa de Elite: Artigos [GCrim Cinema]

Conforme anunciado abaixo, na próxima quinta-feira, 04 de novembro, 11:30, na Sala Alberto Pasqualini [Faculdade de Direito - UFRGS], assistiremos e posteriormente discutiremos o filme Tropa de Elite (2007).
Para auxiliar no debate e compreender o impacto que o filme causou em 2007, separei alguns textos interessantes que foram publicados na imprensa nacional logo após o lançamento da película.

Soares - Filme Perturba Até os Caveiras de Carteirinha

Rolim - Pesadelo

Reale Jr - Virtude e Terror

Freire Costa - O Ano em que Daremos Férias à Tropa de Elite

Calligaris - Tropa de Elite

Ferri na Faculdade Livre de Direito [UFRGS]

Reportagem publicada no Correio do Povo em 28 de outubro e enviada pelo grande advogado Amadeu Weinmann.

Dilemas e Teoria Política Feminista

Duas publicações importantes no último mês no Brasil.
A Revista Dilemas (UFRJ), em seu número 09, volume 03, apresenta inúmeros textos sobre violência e controle social no Brasil. Destaco o artigo de abertura"Quatro coisas que aprendi com Alain Pessin", de
Howard S. Becker.
Na Revista Sociologia e Política, volume 18, número 36, foi publicado o Dossiê Teoria Política Feminista.