1o. Ato.
Ainda existem professores que acreditam que a Criminologia é apenas uma crítica ao Direito Penal, ou seja, que se limita a ser a consciência crítica da estrutura normativa. Vício decorrente da consolidação de uma importante linha da Criminologia Crítica, mas que precisa, urgentemente, fazer autocrítica.
Para aqueles que estudam Criminologia, o fenômeno dos pânicos morais (Becker e Cohen) não é nenhuma novidade. Muito menos a forma pela qual os empresários morais produzem pânicos morais em eventos espetaculares, como a atual "guerra no Rio".
A propósito, vivenciamos uma época de consolidação de guerras sem fim (guerra às drogas, ao terrorismo, à criminalidade). E para quem consegue perceber que as "palavras dizem coisas", que os "símbolos constróem campos de significados" e que o "inconsciente se estrutura como linguagem" - tudo bem, fui longe na psicanálise lacaniana na última referência - a imagem de guerra efetivamente define formas de atuação das agências do sistema penal.
2o. Ato.
Ontem de noite assisti dois programas de televisão simultaneamente, ambos sobre "o problema do Rio."
No Roda Viva (TVE), o Luis Eduardo Soares demonstrou com todos os argumentos e dados empíricos possíveis que o tráfico de entorpecentes é uma empresa em franca decadência e que a política de guerra às drogas é uma equivocada ação que gera, exclusivamente, dor e encarceramento massivos. Resta claro que após 30 anos de war on drugs o saldo é contabilizado em injustificáveis mortes de policiais, de suspeitos e da população civil que habita zonas de vulnerabilidade. "Não há tráfico sem a conivência dos Poderes Públicos"; "temos que reformar, urgentemente, nossas Polícias", ressaltou, vez mais, o antropólogo.
O entrevistadores, atentos, se espantavam com cada dado relativo ao fracasso da política de drogas. Dados que a Criminologia, sobretudo a Crítica, apresenta desde o final da década de 80.
No mesmo horário, na Província de São Pedro, em programa de grande repercussão regional, o criminólogo Rodrigo G. Azevedo tentava expor argumentos antiproibicionistas e o problema que a criminalização das drogas tem gerado na sociedade brasileira. No entanto, o âncora do programa - e esta imagem é emblemática pois o substantivo significa "peça de aço com dois ou mais bicos, presa a um cabo ou a uma corrente, para fixar o navio" (Dicionário Aurélio) -, visivelmente incomodado com o discurso extramoral, impedia qualquer desenvolvimento da argumentação. "Alternativas, nem pensar"; "que o barco fique preso neste modelo", era o que o seu silêncio ecoava.
E segue a imprensa marron acreditando nas fantasias produzidas pelos discursos legitimadores do sistema penal.
["Eu acredito em Duendes", frase cunhada por Lasier Martins]