Um antimanual contra a crise das ciências criminais
(Revista Consultor Jurídico, 28 de janeiro de 2013)
Por Robson Pereira (editor da revista Consultor Jurídico no
Rio de Janeiro).
A consolidação do sistema penal moderno provocou efeito
inverso ao seu objetivo declarado. Em vez de anular, potencializou a violência
e a barbárie, afirma, sem meias-palavras, Salo de Carvalho, em Antimanual de
Criminologia. O livro, publicado pela primeira vez em 2008, nasceu como
provocação à "pasteurização dos manuais tradicionais". Cinco anos
depois, em sua 5ª edição, agora pela Saraiva, o viés crítico permanece
inabalado, bem como a preocupação do autor em oferecer possibilidades e
alternativas "à crise das ciências criminais", por meio de uma nova
forma "de pensar e realizar criminologia".
O primeiro passo nessa empreitada, destaca, é reconhecer a
complexidade dos fenômenos sociais contemporâneos e abandonar a crença de que é
possível encontrar saídas e soluções pelos caminhos mais simples.
"Problemas complexos não podem ser tratados de outra forma, senão
complexamente", adverte, chamando a atenção para "o interesse e o
fascínio" que as questões criminais despertam nas pessoas.
"Fenômenos dessa ordem, mais do que indicadores de
curiosidade mórbida pelas mais distintas formas de imposição de sofrimento às
pessoas, expõem a fraqueza do humano frente aos modelos de conduta traçados
como ideais pela modernidade", analisa Salo de Carvalho, doutor pela
Universidade Federal do Paraná e com um pós-doutorado em Criminologia pela
Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, na Espanha.
Em suas reflexões sobre os mecanismos de justificação e de
atuação do Sistema Penal, ele não poupa a debilidade das instituições de ensino
em formar e desenvolver pensamento criminológico com capacidade de crítica e
diz que é necessário "pensar com a criminologia e não restar limitado à
sua descrição histórica ou ao desenvolvimento de suas principais teorias".
Carvalho considera "obsoleto"
o ensino e o aprendizado do direito penal e do direito processual penal e
defende a necessidade de mudanças radicais, a partir da ruptura de um modelo
que, segundo ele, "reduz a investigação criminológica à intervenção
punitiva e tem nos cárceres o seu laboratório principal".
No seu Antimanual, o pesquisador lamenta que a paixão pelas
ciências criminais, facilmente identificada nos primeiros dias de aula em uma
faculdade de direito, com o tempo se transforme em mágoa e decepção. "É
preciso investigar o ruído existente na comunicação entre professores e alunos,
tentar compreender qual a dificuldade ou inabilidade do professor contemporâneo
em se fazer entender, em demonstrar interesse em entusiasmar seu aluno",
afirma. "A interrogação que persiste é sobre o motivo pelo qual a
estrutura de ensino, ao invés de acolher, repele o aluno", critica.
Alguns dos problemas de difícil superação identificados por
ele estaria na fragmentação da criminologia e na constatação de que "o
ensino ficou restrito à cansativa descrição da história da criminologia, não
conquistando espaço como recurso interpretativo dos sistemas
contemporâneos". Como exemplo da "enorme defasagem em termos
pedagógicos e de uma profunda distância entre o saber jurídico e a realidade
social", ele cita o "apego irrestrito à codificação penal" e
lembra que os currículos ainda prevêem disciplinas anuais ou semestrais
exclusivas sobre a parte especial do Código Penal, ignorando totalmente a nova
realidade jurídica. "Em determinados casos, a parte especial redigida na
década de 40 tornou-se absolutamente obsoleta e o direito penal continua a ser
ensinado como se inexistisse descodificação, fenômeno que vem modificando o
perfil do direito penal no século XXI", afirma.
Em relação às edições anteriores, o livro apresenta pelo
menos duas grandes inovações, com os capítulos intitulados Antipsiquiatria e
Criminologia Cultural. No primeiro, Salo de Carvalho traça um paralelo entre a
Reforma Psiquiátrica (Lei 10.2016/01) e a atual política criminal de ampliação
das penas carcerárias e conclui pela necessidade de criação de regras jurídicas
expressas que vedem o uso do cárcere, assim como ocorreu em relação aos
manicômios. No outro, ele analisa a proliferação de imagens do crime e da
violência nos meios de comunicação não apenas como produtos de consumo, mas
também como importante mecanismo de interpretação dos sintomas sociais que
constituem a cultura ocidental no atual século. "A criminologia não pode
estar alheia a esta cultura saturada de imagens do crime e do medo do
crime", conclui.
Título: Antimanual de Criminologia
Autor: Salo de Carvalho
Editora: Saraiva
Edição: 5ª Edição, 2013
Páginas: 452 páginas
Preço: R$ 82,00