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terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Antimanual de Criminologia (Resenha)



Um antimanual contra a crise das ciências criminais
(Revista Consultor Jurídico, 28 de janeiro de 2013)

Por Robson Pereira (editor da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro).

A consolidação do sistema penal moderno provocou efeito inverso ao seu objetivo declarado. Em vez de anular, potencializou a violência e a barbárie, afirma, sem meias-palavras, Salo de Carvalho, em Antimanual de Criminologia. O livro, publicado pela primeira vez em 2008, nasceu como provocação à "pasteurização dos manuais tradicionais". Cinco anos depois, em sua 5ª edição, agora pela Saraiva, o viés crítico permanece inabalado, bem como a preocupação do autor em oferecer possibilidades e alternativas "à crise das ciências criminais", por meio de uma nova forma "de pensar e realizar criminologia".
O primeiro passo nessa empreitada, destaca, é reconhecer a complexidade dos fenômenos sociais contemporâneos e abandonar a crença de que é possível encontrar saídas e soluções pelos caminhos mais simples. "Problemas complexos não podem ser tratados de outra forma, senão complexamente", adverte, chamando a atenção para "o interesse e o fascínio" que as questões criminais despertam nas pessoas.
"Fenômenos dessa ordem, mais do que indicadores de curiosidade mórbida pelas mais distintas formas de imposição de sofrimento às pessoas, expõem a fraqueza do humano frente aos modelos de conduta traçados como ideais pela modernidade", analisa Salo de Carvalho, doutor pela Universidade Federal do Paraná e com um pós-doutorado em Criminologia pela Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, na Espanha.
Em suas reflexões sobre os mecanismos de justificação e de atuação do Sistema Penal, ele não poupa a debilidade das instituições de ensino em formar e desenvolver pensamento criminológico com capacidade de crítica e diz que é necessário "pensar com a criminologia e não restar limitado à sua descrição histórica ou ao desenvolvimento de suas principais teorias". Carvalho  considera "obsoleto" o ensino e o aprendizado do direito penal e do direito processual penal e defende a necessidade de mudanças radicais, a partir da ruptura de um modelo que, segundo ele, "reduz a investigação criminológica à intervenção punitiva e tem nos cárceres o seu laboratório principal".
No seu Antimanual, o pesquisador lamenta que a paixão pelas ciências criminais, facilmente identificada nos primeiros dias de aula em uma faculdade de direito, com o tempo se transforme em mágoa e decepção. "É preciso investigar o ruído existente na comunicação entre professores e alunos, tentar compreender qual a dificuldade ou inabilidade do professor contemporâneo em se fazer entender, em demonstrar interesse em entusiasmar seu aluno", afirma. "A interrogação que persiste é sobre o motivo pelo qual a estrutura de ensino, ao invés de acolher, repele o aluno", critica.
Alguns dos problemas de difícil superação identificados por ele estaria na fragmentação da criminologia e na constatação de que "o ensino ficou restrito à cansativa descrição da história da criminologia, não conquistando espaço como recurso interpretativo dos sistemas contemporâneos". Como exemplo da "enorme defasagem em termos pedagógicos e de uma profunda distância entre o saber jurídico e a realidade social", ele cita o "apego irrestrito à codificação penal" e lembra que os currículos ainda prevêem disciplinas anuais ou semestrais exclusivas sobre a parte especial do Código Penal, ignorando totalmente a nova realidade jurídica. "Em determinados casos, a parte especial redigida na década de 40 tornou-se absolutamente obsoleta e o direito penal continua a ser ensinado como se inexistisse descodificação, fenômeno que vem modificando o perfil do direito penal no século XXI", afirma.
Em relação às edições anteriores, o livro apresenta pelo menos duas grandes inovações, com os capítulos intitulados Antipsiquiatria e Criminologia Cultural. No primeiro, Salo de Carvalho traça um paralelo entre a Reforma Psiquiátrica (Lei 10.2016/01) e a atual política criminal de ampliação das penas carcerárias e conclui pela necessidade de criação de regras jurídicas expressas que vedem o uso do cárcere, assim como ocorreu em relação aos manicômios. No outro, ele analisa a proliferação de imagens do crime e da violência nos meios de comunicação não apenas como produtos de consumo, mas também como importante mecanismo de interpretação dos sintomas sociais que constituem a cultura ocidental no atual século. "A criminologia não pode estar alheia a esta cultura saturada de imagens do crime e do medo do crime", conclui.  

Título: Antimanual de Criminologia
Autor: Salo de Carvalho
Editora: Saraiva
Edição: 5ª Edição, 2013
Páginas: 452 páginas
Preço: R$ 82,00

domingo, 13 de janeiro de 2013

Presídio Central de Porto Alegre - Representação na CIDH

Foi disponibilizado no site da Ajuris e reproduzo no Antiblog a representação que as entidades gaúchas fizeram junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em razão das condições extremas que os presos se encontram no Presídio Central de Porto Alegre.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Sobre a Internação Involuntária de Dependentes Químicos

Pressuposto: é possível, no atual regime legal, inclusive após a Lei de Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/01), que um dependente químico, em estado agudo de crise, seja internado compulsoriamente, sem o seu consentimento.
O esclarecimento é fundamental.
Isto porque, pelo que estive lendo nos últimos dias - vejam o artigo do Deputado Osmar Terra na Zero Hora de ontem -, parece que há, no senso comum, a prevalência de um entendimento de que qualquer internação pressupõe o consentimento do internado. Esta informação não é correta.
O projeto de lei que está em debate no Congresso, de autoria do referido Deputado, pretende, porém, que seja permitida a internação involuntária de usuário de drogas pelo prazo de até seis meses, sem autorização judicial. Conforme destacou a querida Natália Otto, na esclarecedora reportagem publicada no portal Sul 21 (leia aqui), "diferente da compulsória, a internação involuntária não passa pelo Judiciário e ocorre mediante autorização médica."
A questão que está em jogo neste debate é, pois, quem detém o poder de determinar a internação: o juiz, em decisão fundamentada após análise (a) dos argumentos expostos pelos responsáveis pelo dependente em crise aguda, (b) do laudo médico que indica a internação e (c) da manifestação do Ministério Público; ou o médico, após avaliar o paciente e emitir seu laudo.
O argumento do Deputado é de que o procedimento legal é muito burocrático e retarda a internação, que poderia ser feita imediatamente, com a simples solicitação do familiar ao médico.
O tipo de justificativa apresentada me fez lembrar as manifestações dos Delegados de Polícia após a publicação da Constituição de 1988. Naquele momento, grande parte dos policiais argumentava que era um absurdo deixar a prisão "exclusivamente" nas mãos do juiz e que esta burocracia (prisão apenas mediante determinação judicial) tornaria ineficiente a repressão e o combate ao delito.
Ocorre que ambos os argumentos são falaciosos.
Trata-se de uma garantia mínima do Estado de Direito, consagrada na Constituição, de que uma pessoa só poderá ser presa mediante decisão judicial. E não há qualquer diferença formal e substancial entre prisão e internação involuntária. Exatamente por isso é o juiz, e não o médico, que determina e aplica a medida de segurança.
Por mais falhos que possam ser o procedimento e a decisão judicial, trata-se de uma garantia fundamental contra o arbítrio. Arbítrio de policiais, no caso da prisão, e de médicos, no caso da internação. Por melhores que sejam as virtuosas intenções de policiais e de médicos.
Fundamentalmente por este motivo, entendo flagrantemente inconstitucional o Projeto de Lei 7.663/10, de autoria do Deputado Osmar Terra, que altera a Lei de Drogas (Lei 11.343/06).
Fico impressionado como é visceral o desejo inquisitório que alimenta determinados membros da classe médica, sobretudo psiquiatras.
Para além disso, o problema parecer ser, ainda, o da constante tentativa de usurpar competências, desde que as relações entre direito (penal) e psiquiatria foram reforçadas pela criminologia positivista. Médico, avalia; juiz, decide.
Mas o que parece ser bastante simples em alguns casos fica obscurecido pela incontrolável vontade de exercer o potesta puniendi.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Crime, Cobertura do Crime e Meios de Comunicação

Um aluno ferido, três ativistas assassinadas, oitenta e uma pessoas mortas em um ataque a bomba. O que é mais relevante como notícia?
Analisem o caderno internacional de Zero Hora, de hoje, e tentem explicar.
Material enviado pelo Rodrigo Scalcon.


Presídio Central de Porto Alegre

(Foto de Daniel Marenco, dezembro de 2008)

As entidades integrantes do Fórum da Questão Penitenciária no Rio Grande do Sul, dentre elas o !nstituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (!TEC) apresentaram ontem a representação contra o Brasil na OEA (leia aqui).
Para ser julgado pela Corte Interamericana a representação deve ser acolhida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que faz o papel de órgão de acusação.
Confesso que há anos esta representação deveria ter sido apresentada. Mas temos que comemorar o empenho das pessoas que integram o grupo de trabalho e finalmente tomaram a atitude correta, em especial ao Gilberto Schäfer, da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS), ao Rodrigo Puggina, Conselho Penitenciário, e ao Rodrigo Moraes de Oliveira e ao Fábio D'Ávila, do !TEC.
Não há qualquer justificativa legal e ética que sustente a situação do Presídio Central. Todos sabemos que a crise é de longa data. Exatamente por isso todos os partidos políticos que comandaram o Estado nos últimos anos são responsáveis: do PDS e do PMDB ao PSDB e ao PT.
E se o Brasil for condenado, igualmente serão todos os Governos estaduais que por ação ou omissão permitiram esta situação. Em especial os que se autointitulam humanitários e de esquerda, porque deveriam ter um compromisso ético com a mudança neste estado de coisas.

(Foto de Daniel Marenco, dezembro de 2008)

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Stanley Cohen


Meu primeiro contato com a obra de Stanley Cohen foi no mestrado na UFSC, nas aulas da Vera Andrade, quando lemos Visions of Social Control. Posteriormente, o interesse pelas subculturas me levou à leitura de Folk Devils and Moral Panics.
Mas desde o meu ponto de vista, a grande contribuição de Cohen foi Against Criminology. Em 2011 fizemos um grupo de estudos na UFRGS para estudar a obra (eu, Mari, Mari Garcia, Marcelo Mayora, Raffa Pallamolla, Daniel Achutti). O livro é do final dos anos 80. Trata-se de uma coletânea de artigos publicados durante a década que consolidou o realismo de esquerda. No principal texto, Cohen chamava atenção para duas questões: primeira, da insuficiência da concepção de criminologia crítica como mera crítica do direito penal (redução da criminologia à dogmática); e, sobretudo, segunda, o perigo da criminologia crítica enamorar-se do gerencialismo (redução da criminologia à segurança pública).
Problemas bastante atuais, mas que infelizmente não teremos mais Cohen para indicar saídas e alternativas.
O criminólogo faleceu ontem, conforme a informação prestada pela coordenação do European Group for the Study of Deviance and Social Control, do qual foi um dos fundadores.
Obrigado por tudo, Prof. Stanley Cohen!


"Dear Friends,
It is with immense sadness that I write to you today to inform you that Stanley Cohen, one of the founders of the European Group and a world-renowned intellectual, passed away this morning, Monday 7th January, after a long illness. He will be greatly missed by his friends and colleagues in the European Group and is a huge loss to the fields of sociology and critical criminology. He was particularly well-known for his seminal texts, Folk Devils and Moral Panics (1972),Visions of Social Control (1985) and, more recently, States of Denial: Knowing about Atrocities and Suffering (2001).
Best wishes,
Emma
European Group for the Study of Deviance and Social Control
Coordinator: Emma Bell
Secretary: Monish Bhatia"

domingo, 6 de janeiro de 2013

Teoria Queer

Comentava, ontem, com o Rogério Maia Garcia, em meio aos solos de metais dos convidados do Mike LeDonne Trio, na homenagem ao Clifford Brown realizada no 17o Festival Internacional de Jazz de Punta del Este, que o cartunista Laerte é uma das principais figuras públicas da contracultura nacional contemporânea. De todas os tabus, os relacionadas ao sexo, ao gênero e à orientação sexual são os mais resistentes na conformação da nossa violenta cultura/civilização.
Se o feminismo conseguiu demonstrar as formas e as práticas violentas que derivam do androcentrismo, a teoria queer revela a opressão igualmente violenta imposta pela heteronormatividade.
Dentro das minhas limitações, tentei trazer este debate para o campo da criminologia, em dois textos (publicados no Boletim e na Revista do IBCCrim).
Em breve publicarei um terceiro, intitulado "Sobre as Possibilidades da Criminologia Queer, no número especial da Revista Sistema Penal & Violência do PPGCCrim da PUCRS sobre "Criminologia Cultural" (v. 01, n. 5, 2013).
Coincidentemente, recebo, neste momento, e-mail do Marcelo Mayora e da Mariana Garcia indicando esta incrível "ficha de leitura" assinada pelo Laerte.