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domingo, 9 de agosto de 2009

Neuromanias, Psico-ciência e Science Killers


They love crime, every one loves crime, they love it always, not at some ‘moments.’” (Dostoievsky)

Na lista dos “mais vendidos” da semana da Veja, Mentes Perigosas de Ana Beatriz Barbosa Silva, aparece na terceira posição. Segundo a revista, é a trigésima sétima semana que consta no ranking, com mais de 200.000 livros vendidos. Na capa do livro o subtítulo (O Psicopata Mora ao Lado) é complementado pela frase: “como reconhecer e se proteger de pessoas frias e perversas, sem sentimento de culpa, que estão perto de nós”. Nos anexos do livro a codificação internacional para diagnóstico dos Transtornos Antissociais de Personalidade – DSM IV TR (301.7 e 312.8) e CID 10 (F60.2) – e lista de telefones e sites úteis – dentre eles o blog da atriz Daniella Perez (http://daniellafperez.blogspot.com/) e os vídeos postados pela escritora Gloria Perez (www.youtube.com/user/gfperez) (?).
A edição do mês da Super Interessante é intitulada “Mentes Psicopatas: o cérebro, a vida e os crimes das pessoas que não têm sentimento.” O periódico, segundo o editorial nominado “Quase Humanos”, procura expor os dados ‘científicos’ que permitem identificar os psicopatas (“parasitas que se associam a outros organismos para tirar os meios que eles sobrevivem”), que se escondem por trás de uma máscara de normalidade. Os instrumentos científicos apresentados possibilitariam descobrir os psicopatas com os quais convivemos e os ‘bebês-diabo’ (crianças que podem virar psicopatas).
A matéria de capa do número da semana da Época é “Por Dentro da Mente dos Bebês: novos estudos revelam que eles entendem o mundo melhor que os adultos”. A reportagem retrata os últimos estudos realizados na mente infantil. Segundo a matéria, os bebês são capazes de avaliar atitudes e classificá-las como boas ou más.
Nos Seminários Abertos do Doutorado do último semestre, na mesa sobre Cultural Criminology, disse que um dos primeiros artigos que tinha lido nesta linha do pensamento criminológico contemporâneo foi “King of Killers: The Criminological Theories of Hannibal Lecter”, de J. C. Oleson, da Old Dominion University. O artigo expõe o fascínio que a figura de Hannibal Lecter provoca na cultura contemporânea, inclusive o espantoso retorno financeiro da comercialização de livros, filmes e demais produtos de marketing.
O fato de o crime (sobretudo o violento) ter se tornado produto comercial de alta demanda não parece ser nenhuma novidade e não causa nenhuma estranheza.
A questão que coloco é a forma pela qual as neurociências reeditam problemas criminológicos que se entendiam superados.
A antipsiquiatria – fundamentalmente em Szasz – demonstrou que efetivamente existem doenças derivadas de problemas que afetam o cérebro, ou seja, são de natureza orgânica, produzem efeitos neurológicos importantes e alteram o comportamento. Todavia, as doenças mentais, segundo Szasz, atuam como um mito, criado pela psiquiatra contemporânea para rotular determinados ‘problemas de viver’.
O que as neurociências prometem é diagnosticar, como doença, estes problemas do viver e, como crime, certas características de personalidade valoradas como negativas. Segundo o DSM IV TR (01.7), o Transtorno de Personalidade Antissocial estaria presente com a confluência de pelo menos três dos seguintes critérios: incapacidade de adequar-se às normas sociais com relação a comportamentos lícitos; propensão a enganar e mentir para obter vantagens pessoais ou prazer; impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro; irritabilidade ou agressividade; desrespeito irresponsável pela segurança própria ou de terceiro; irresponsabilidade consistente em repetido fracasso laboral ou financeiro; ausência de remorso.
Ao romper as fronteiras entre ‘doenças do cérebro’ e ‘doenças da alma (do viver)’, a questão orgânica passa a ser apenas uma variável, pois o que interessa para definir uma pessoa como normal ou anormal (doente ou criminoso) é a constatação das características negativas do comportamento o que refletiria em maior ou menor grau de funcionamento de determinadas áreas do cérebro (sadio ou não), constatável através do estudo de sua morfologia. E se for possível identificar desde bebê, mais eficaz a ciência...

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