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sábado, 26 de março de 2011

Dos Excessos que Produzem Impunidade

Recebi muitas mensagem sobre a denúncia apresentada contra o acusado de atropelar os ciclistas do Massa Crítica. Os questionamentos eram, fundamentalmente, sobre a imputação: homicídio doloso - modalidade dolo eventual - qualificado, tentado, em concurso (17 vezes).
O criminólogo Denis Salas escreveu um interessante livro chamado "A Vontade de Punir". Com Foucault e Nietzsche, desvenda os anseios punitivistas que brotam nas mentes inquisidoras - dos atores do sistema penal.
O fenômeno do punitivismo (ou da vontade de punir) descrito por Salas e por inúmeros criminólogos contemporâneos é emblemático e expressa o momento atual das agências de punitividade nacionais.
Movidos por uma incontrolável vontade de punir - este desejo pode ser muito bem compreendido no campo da psicanálise -, os acusadores incorrem em excessos que inviabiliza a própria acusação.
No caso concreto, a distorção das categorias dogmáticas com intuito de produzir os maiores efeitos punitivos e sensacionalistas possíveis, em realidade abre espaço para que uma provável condenação seja obstaculizada. Em termos muito claros: o excesso da acusação possibilitou uma defesa em um 'caso perdido'.
O problema é que, no final das contas, em caso de não-punição - ou de anulação ou reforma da denúncia -, a culpa não será imputada à desproporcionalidade  ou ao exagero da acusação, mas certamente às 'benesses legais', às 'falhas do Judiciário', às 'artimanhas dos defensores', ao 'tsunami nipônico', ao 'ofensivismo do Renato Gaúcho' ou à 'retranca do Celso Roth'.
O efeito: novas campanhas inquisitórias editadas pelos empresários morais.

5 comentários:

Antônio Goya de Almeida Martins Costa disse...

Salo, concordo plenamente com o teu post. É flagrante a expansão punitiva que vivemos, que pode ser vista tanto em distorções dogmáticas (p. ex. não aplicação da insignificância em continuidade delitiva de condutas insignificantes), como na, cada vez maior, presença do direito penal secundário. Eu também, em um primeiro momento, considerei errônea a tipificação do crime do motorista na categoria de dolo eventual. Porém, fui informado que Ricardo Neis teria declarado que tinha consciência de que de sua ação poderia resultar a morte dos ciclistas. Se tal informação for realmente verdadeira, cabe a pergunta: não seria um caso de dolo eventual?
Abraço, Antônio

Unknown disse...

antonio, o mero elemento consciência não define o dolo. aliás, embora previsto normativamente, o dolo eventual atua mais como metarregra do que como regra. metarregra de atração de imputação.
uma denúncia por lesão corporal consumada deixaria a defesa sem tese, o procedimento seria muito mais célere (não seria competência do júri) e um juiz togado proferiria a sentença.
agora, imputar dolo eventual tentado? a acusação deu uma defesa para o atropelador.

Antônio Goya de Almeida Martins Costa disse...

Bem, preciso estudar mais o assunto então! Havia aprendido a verificar a presença do dolo eventual tão somente por meio da fórmula de Frank! Nem imaginava isso que explicaste.

Unknown disse...

é que com os dados que temos, nem a metafísica fórmula da frank - que pressupões uma situação idealizada, uma pessoa idealizada (do tipo 'homem médio'), que opta por tomar decisões idealizadas - permite diferenciar entre dolo e culpa ou dolo de homicídio ou de lesão, penso.

Unknown disse...

ps: a fórmula de frank resolve um problema dogmático, não empírico. serve para os doutrinadores, não para as pessoas envolvidas...