A imagem é de Rembrandt, "O Filósofo em Meditação" (1632).
Esta obra inevitavelmente me remete à decadência do saber dogmático.
A impressão que tenho é a da certeza do dogmata de que a luz que ingressa pela janela serve (repito, serve) exclusivamente para lhe proporcionar condição de seguir no seu trabalho. É como se o próprio Sol não tivesse outro sentido que o de dar possibilidade ao modus teórico. Absorto nos seus exercícios mentais, o dogmata utiliza o Sol como instrumento para atingir a plenitude do mundo dos conceitos.
Todavia a noite é inevitável e o dogmata necessita urgentente, antes que a morte lhe tome a ausência de vida, dar unidade ao seu grande modelo de interpretação da realidade. Está velho, exausto, perdido nas incoerências do seu próprio sistema, mas o que lhe resta é seguir na elaboração da grande narrativa. E se ainda houver um dia, será dedicado à rememoração da obra monumental.
Ocorre que a iluminação dá apenas aparência de conforto à sala-cela fria, isolada do mundo, deslocada do tempo.
O discípulo que em breve tomará o seu lugar, além de auxiliar o Mestre a dar coerência ao sistema, corrigindo e revisando os rascunhos e as anotações, tenta acalentar o ambiente. O conforto do Mestre dogmata é cuidado meticulosamente, com zelo. Nada pode lhe faltar. Nada pode interferir a grande elaboração.
Mas a pergunta que resta é para onde leva a escada que protagoniza a cena.
A escada provavelmente é a única salvação para o dogmata, a única possibilidade de sair do claustro. No entanto, apesar de sempre ter estado lá, tornou-se demasiado sinuosa. E o dogmata já não tem forças para sequer tentar movimentar seus músculos em direção à rua.
Esta obra inevitavelmente me remete à decadência do saber dogmático.
A impressão que tenho é a da certeza do dogmata de que a luz que ingressa pela janela serve (repito, serve) exclusivamente para lhe proporcionar condição de seguir no seu trabalho. É como se o próprio Sol não tivesse outro sentido que o de dar possibilidade ao modus teórico. Absorto nos seus exercícios mentais, o dogmata utiliza o Sol como instrumento para atingir a plenitude do mundo dos conceitos.
Todavia a noite é inevitável e o dogmata necessita urgentente, antes que a morte lhe tome a ausência de vida, dar unidade ao seu grande modelo de interpretação da realidade. Está velho, exausto, perdido nas incoerências do seu próprio sistema, mas o que lhe resta é seguir na elaboração da grande narrativa. E se ainda houver um dia, será dedicado à rememoração da obra monumental.
Ocorre que a iluminação dá apenas aparência de conforto à sala-cela fria, isolada do mundo, deslocada do tempo.
O discípulo que em breve tomará o seu lugar, além de auxiliar o Mestre a dar coerência ao sistema, corrigindo e revisando os rascunhos e as anotações, tenta acalentar o ambiente. O conforto do Mestre dogmata é cuidado meticulosamente, com zelo. Nada pode lhe faltar. Nada pode interferir a grande elaboração.
Mas a pergunta que resta é para onde leva a escada que protagoniza a cena.
A escada provavelmente é a única salvação para o dogmata, a única possibilidade de sair do claustro. No entanto, apesar de sempre ter estado lá, tornou-se demasiado sinuosa. E o dogmata já não tem forças para sequer tentar movimentar seus músculos em direção à rua.
Enquanto isso, ainda resta algo de esperança de o discípulo deixar de ser discípulo, de o discípulo abandonar a vontade de dogmática, de o discípulo fugir pela escada.
7 comentários:
A pergunta é direta ao Doutor Salo...
O saber filosófico é o "saber pelo saber". A dogmática penal é o estudo do sistema de leis penais postas. Ótimo. Acredito que a dogmática é criticada pelo Doutor (inclusive assim foi no seminário do IBCCRIM)por desconsiderar ela questões fáticas ou empíricas trazidas pela criminologia, ou seja, o Direito é Ciência Social Aplicada e deve buscar a utilidade social de aplicação, isto é, o pragmatismo. Pergunto: a filosofia penal, por ser "saber pelo saber",também seria passível dessa mesma crítica ou há algo nela que a torna sempre útil para a sociedade?
Parabenizo-o pelo blog...
Grato pelo comentário e pelos parabéns.
Bueno, não consigo identificar bem o que seria uma 'filosofia penal'. Quando critíco a assepsia da dogmática não é para atingir níveis pragmáticos de eficiência, mas para trazer à tona sua natureza metafísica, sua pretensão universal e sua condição atemporal.
SC
Alguns (como o alemão Naucke, p. ex., eu acho) dizem que a escada pode ser mais perigosa do que o conforto metafísico da clareza opaca e cansada do sol.
Ferrajoli também diz que subir a escada pode ser perigoso, pois podemos voltar ao nosso estado natural.
A imagem me lembrou da caverna de Platão, da ilusão de segurança e do medo da 'selva'.
Acho que podevemos e devemos subir a escada, nem que seja com uma lanterna em mãos para clarear o caminho.
Abraço!
Doutor Salo, eu novamente (sobre a primeira colocação e pergunta)...
Realmente não fui claro, mas mesmo assim o Doutor ajudou com a resposta...serei mais direto e exemplificativo: a filosofia é sim atemporal e desinteressada no sentido de se alcançar qualquer fim (Shopenhauer), ou seja, busca o "conhecer" talvez como modo de "satisfação plena", "saber pelo saber", "saber para ser livre consigo mesmo"... a filosofia penal, portanto, questionaria, sem fins quaisquer, qual seria o sentido ou a razão de ser da pena, por exemplo...gostaria saber exatemente o que o Doutor critica...se é isso que acabo de expor como "filosofia penal" ou se seria apenas o estudo excessivamente aprofundado (metafísico) da dogmática...Seria o mesmo que essa crítica de Cornelius? "Combinado com isto, surgiu uma ciência do direito penal que vê como sua principal tarefa desenvolver o dogmatismo do direito penal, ou seja, que entende que sua tarefa consiste principalmente em estabelecer regras sistematicamente consistentes da imputabilidade objetiva e subjetiva..." e também essa de Luis Chaves Camargo? "Tudo é direcionado para a aceitação da dogmática, com suas formulações coerentes e certas, por refletir a existência de verdades inquestionáveis e independentes do conjunto de leis vigentes. É chegado o momento de reencontrarmos a via pela qual o Direito possa reafirmar suas funções sob pena de formarmos juristas condicionados a uma visão ilusória do papel do Direito..." Gostaria realmente de entender o que é criticado, no sentido de saber o que se deve ou não ser tido como pesquisa "correta"...
Grato...
É certo que eu vou guardar isto e tirar da cartola como abertura do próximo trabalho científico que eu considere merecedor do post.
Tchê Anônimo, seguinte:
1o. Este Antiblog, é um antiblog.
2o. Aqui não há tratamento doutoral. Assim, para que estabeleçamos minimamente um diálogo, abandone o Dr. Esta, se leste bem o post, é uma das questões que critico na dogmática, a necessidade de subserviência, a necessidade de ter Mestres, a necessidde de ser discípulo. Isto para mim é moral de escravos, digo com o filósofo.
3o. Se entendi, quando falas em 'filosofia penal' estás a referir as teorias da pena. Tenho inúmeros textos sobre teoria agnóstica que tento explicar a falácias das grandes narrativas sobre a pena.
4o. A dogmática é, ela mesmo, a ciência do direito. Não surgiu uma ciência que tem como principal tarefa desenvolver o dogmatismo. Dê uma lida em alguns textos de epistemologia jurídica, creio que ajudarão - Dogmática Jurídica, da Vera Andrade, ajuda.
5o. A teoria do delito, que estabelece os critérios de imputação, objetiva ou subjetiva, é parte da dogmática, e não coisa distinta. Se a citação é deste autor Luiz Chaves Camargo, ele está com sérios equívocos epistemológicos.
6o. Não tenho pretensão alguma de lhe dar uma 'receita de bolo'. Não há pesquisa certa ou errada. Há pesquisa bem ou mal feita.
7o. A rede de blogs que integro prima pelo respeito à alteridade. Por isso, todos se identificam.
Falou?
SC
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