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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Ainda Sobre a "Vontade de Estupro"

No post "De Violências contra a Mulher e do 'Ideal de Estupro'" procurei, a partir das imagens grotescas da violência praticada contra a policial paulista, sustentar uma tese que me parece evidente: a violência contra o feminino encontra seu tipo-ideal (Weber) no estupro.
Coloco contra o feminino, e não exclusivamente contra as mulheres, porque penso que a própria homofobia segue este padrão, ou seja, a violência homofóbica também se caracteriza pelo ódio à verdade feminina que emerge na homossexualidade - Acyr Maya em sua tese de doutorado "Homossexualidade: Saber e Homofobia", orientada na UFRJ pelo Birman, trabalha esta relação ).
O termo vontade de estupro é uma corruptela (ou brincadeira teórica) da idéia nietzscheana vontade de verdade, forma mentis das violências provocadas pelo saber ocidental Moderno.
As referências teóricas para sustentar a tese são estas, embora alguns comentários tenham, de forma muito confusa diga-se, tentado invalidar o saber acadêmico.
Mas a questão definitivamente não é esta.
O que chama atenção no debate travado no post é a tentativa entorpecida de ocultar a principal circunstância do episódio: a vítima ser mulher. E o termo vítima é absolutamente adequado, pois a suspeita de crime não justifica a invasividade gótico-inquisitorial pautada pela vontade de estupro. Aliás, é próprio do pensamento totalitário justificar o grotesco com o ideal de moralidade que funda as prátivas violentas: a anulação dos direitos individuais pela evocação dos interesses públicos - isto é o que a Escola de Sevilha chama de reversibilidade do discurso jurídico: a utilização do discurso de defesa dos direitos para violar direitos.
Para finalizar cito dois trechos do excelente post da Clarissa de Baumont no blog Lamento della Ninfa. Isto porque sua sensibilidade ultrapassa infinitamente o meu olhar masculino - apesar de lutar diariamente contra a cultura misógina que fui educado.
"O grotesco da situação evidencia conceitos que pautam as relações sociais.  A cena de nudez da mulher ocorre em função da 'masculinidade dos homens'. Um homem não pode exigir (querer, desejar, demandar) a nudez de outro homem e, portanto, se fosse um homem ali não haveria nada disso.
Não é preciso ir atrás das burkas procurar a opressão feminina, tão mascarada no ocidente. Permanece o ideal de existência feminina como algo que precisa servir ao masculino. Se não serve, é uma existência vulgar, ou inútil, ou desprezível, ou todas essas coisas. A mulher tem um sentido geral antes de instrumento à satisfação do homem que de algo que exista por si mesmo."  (Clarissa de Baumont)

22 comentários:

Zé disse...

Concordo com a opinião da Clarissa e acho que esta é uma explicação que acrescenta algo muito importante no fato. Mas não existe nada mais comum do que policiais de luvas enfiando a mão em genitais masculinos infantis em busca de ilícitos (ou será em busca de seus próprios desejos-ilícitos?). A perversidade masculina sugere, para mim, menos uma sujeição do feminino como um "outro" violentado do que um eu-feminino mal trabalhado e, por isso, insistentemente violentado.

Adriano Rodrigues Laignier disse...

A atitude do delegado foi repugnante. Mas, preconceber uma disposição e atrelá-la a um ato: vontade de estupro, sem, na verdade, analisar a psique do autor, é, no mínimo, muito precipitado, preconceituoso e generalizado. Ora, se for assim, em breve estaremos fazendo análises de robôs, pelo simples fato de se interagirem com os seres humanos. Além do mais, ainda que a vítima seja mulher, não podemos considerar ou desconsiderar, que nas atitudes autoritárias do delegado, esteja inoculada “conceitos que pautam as relações sociais”. As suas indagações são convenientes, resta saber se se aplicam aos autores deste caso.

g disse...

Concordo com (quase) tudo, Salo e Clarissa:

pensei nisso esses tempos (bem antes de circular o tenebroso video em questao) e enquanto lia um relato de um rapaz abusado sexualmente num colegio "para meninos", me dei conta de o quanto a questao do estupro/violacao (sexual) de qualquer ordem esta presente, praticamente enquanto PREMISSA de qualquer ambiente-total.

Delegacia, quartel, cela, reformatorio...sempre, SEMPRE uma especie de Lei Marcial (do(s) abuso(s)) sexual vigorando.

OBVIAMENTE o componente do feminino POTENCIALIZA isso e entra o que o Ze destrinchou de modo igualmente perspicaz ali em cima.

Entendi (acho) o ponto do Adriano, mas me parece que se esta mais em busca de um tipo de panorama geral do ocorrido do que uma (realmente, irresponsavel, se fosse o caso) analise individual. E acredito que "conceitos que pautam relacoes sociais" jamais podem ser descartados, ainda mais num caso assim.

Enfim. Dialogos... :)

gabrieldivan disse...

Ali em cima sou EU!

Clarissa de Baumont disse...

caro sr Adriano,
acredito que "conceitos que pautam as relações sociais" seja uma expressão que remete a algo corriqueiro que acontece o tempo todo, todos os dias. vivemos e nos organizamos como? sobre conceitos, nem sempre claramente identificáveis, que pautam as relações sociais e nos ensinam a ser de um jeito ou de outro.
se o sr acha que alguém não forma sua personalidade interagindo, está a proclamar que somos todos aliens isolados. aprendemos a ser, inclusive a ser no que implica diferenças de comportamento entre homem e mulher, e n estou dizendo q isso seja ruim previamente, mas q há violências provenientes dessas distinções n raro imbecis.
qnto a "preconceber uma disposição e atrelá-la a um ato", profissionais do meio jurídico ou que o conhecem bem e aceitam deviam estar bastante acostumados a isso.
não concordo que seja o que está sendo feito aqui. ninguém se dispôs a julgar uma pessoa (com as drásticas consequências empíricas que decorrem do julgamento de alguém pragmaticamente) ou um grupo de pessoas. o que se faz é discorrer e refletir sobre algo que permeia os fatos e está por trás deles, ultrapassando os indivíduos.

Clarissa de Baumont disse...

Salo, agradeço a menção, bastante honrosa para mim =)

Aguardo as tuas reflexões sobre as questões jurídicas.

Diogo França disse...

Salo,

tenho muito dificuldade de enquadrar (em um sentido até literal) a questão de gênero no caso concreto. A premissa colocada (se fosse homem não seria despido)não me convenceu, gostaria de ler mais argumentos, pois, a princípio, acredito que a arbitrariedade foi fruto do desvirtuamento da relação de poder que havia ali e se fosse um homem, a roupa seria arrancada do mesmo jeito, com o plus das pancadas.
Por mais pragmático que possa parecer, o que me espanta na cena é a quebra da regra corporativista, já que o respeito ao estado de direito, na prática, não é baliza pra ação policial.
Continuo acompanhando, espero que retomes o tema.

abraços

Anônimo disse...

Alguns post anulam aqueles que realmente devemos considerar: as mulheres. Vejo que a maioria não consegue rebater os argumentos - esplêndidos - da Clarissa e outras. Nós homens tentamos dizer como ela se sentem sem levar em consideração as situações vividas por elas. Há comentários que ora expressam isso, mas ao mesmo tempo negam. Negam a palavra, negam a realidade e permanecem no "ideal de existência feminina como algo que precisa servir ao masculino".
Hahaha....a corregedoria toda masculina iria arrancar as roupas do homem "suspeito"; mais certo que eles conversariam e marcariam um churrasco para gastar a propina, ou seja, não haveria o tal 'plus' de pancadaria. E olha que esse é meu pensamento, na também, cultura misógina que fui criado.
Guigo

Anônimo disse...

Se a escrivã fosse um escrivão, ele seria despido igual. Contudo, seria despido, agredido, cuspido talvez. No caso, por ser mulher, houve uma discussão, tentativas de acordo e depois o brutal atentado. Cordes. Se fosse homem, não teria discussão alguma, seria despito brutalmente, quem sabe urinassem nele, agrediriam, bateriam como sempre fizeram. Todos são vítimas.

Achutti disse...

"qnto a 'preconceber uma disposição e atrelá-la a um ato', profissionais do meio jurídico ou que o conhecem bem e aceitam deviam estar bastante acostumados a isso."

Eis o ponto, Clarissa. Disse tudo!

Adriano Rodrigues Laignier disse...

Brasil está caminhado para se igualar ao Estados Unidos, excelência acadêmica, mais doutores, mais mestres e mais presídios. Como é o país do futuro a "expectativa" é de que ultrapasse o EUA.

Laura disse...

O fato é que se fosse um homem certamente não o veriamos implorar incessantemente para que a revista fosse realizada por mulheres.. O desrespeito a essa garantia é que, a meu haver, caracteriza a "vontade de estupro". Ora, uma mulher algemada, rodeada por "homens", sendo filmada e despida à força é de uma perversidade típica de uma cultura misógina. Não se pode negar isso. Além do mais, nudez masculina e nudez feminina possuem sentidos opostos a quem vê...

Clarissa de Baumont disse...

A Laura está certa. É no mínimo inconsequente, para n dizer completamente sem sentido, dizer q o fato de ser uma mulher amenizou a violência porque ela n apanhou nem foi cuspida.

Afinal, ela devia então era agradecer por isso assim cm deviam aproveitar p agradecer junto: todas as mulheres q já foram prejulgadas, mal-interpretadas e desrespeitadas; todos os homossexuais que já tiveram de esconder sua homossexualidade e os q, demonstrando, já foram agredidos; todos os homens q tiveram de esconder a sensiblidade ou qualquer traço q parecesse característico feminino p n serem ridicularizados por seus pares.


concordo q todos são vítimas de violências. jamais disse q os homens eram responsáveis pelo sobrepujamento da 'masculinidade'. são vítimas tanto qnto eu e sinto mto por isso. sinto mais ainda qndo isso é negado. a negação n chega a lugar algum e eu tb costumava a pensar há alguns anos q reinava certa 'igualdade' até ser concretamente demonstrado q estava errada.

isso é q o Guigo percebe "Nós homens tentamos dizer como elas se sentem sem levar em consideração as situações vividas por elas". é mtas vzs o sofrimento de algo q nos faz aprender e por isso de certo modo ele é tão importante. qm n enxerga nd, jamais sofreu ou nega veementemente o sofrimento pela dicotomia homem X mulher.

Adriano disse...

Para quem gosta de analisar fatos cotidianos como índice de comportamento geral, o que dizem os especialistas sobre a TORTURA praticada pela ex vereadora Mônica Costa contra seu marido na Cidade do Rio de Janeiro, foram quase 24 horas de suplício, que deixou o rapaz com queimaduras graves, cortes nos pulsos e uma estadia na UTI. Para mim, foi apenas uma violência brutal, mas, faço uma pergunta para os especialistas: Isto é vontade de que?

gabrieldivan disse...

Parece haver celeuma aqui quanto ao termo (inventado/inserido) "Vontade de ___" (que remete a estudos e/ou parodia e/ou ainda paralelo nietzscheanos) e a "vontade", tipo quando rola uma "vontade" de ir ali comprar um sorvete.

Unknown disse...

valeu divan. tentei expor os pressupostos teóricos da construção de apenas mais um instrumento para analisar as violências de gênero. e, sinceramente, estavam sem nenhuma paciência para responder. mas foste sintético e preciso. acho que vou tomar um sorvete.

Unknown disse...

e qto ao caso da vereadora, apenas comprova o que disse no primeiro post sobre o tema, em relação à masculinização que o poder (farda) gera.

Mari Garcia disse...

Salo, querido, brilhantes posts!
Eu me contive (quase que amarrando as mãos) para não comentar nada a respeito da discussão.
O Guigo foi preciso...como homens falam de "violências" que nós sofremos?
"Vontade de ____" ocorre todos os dias. Todas as horas. Basta ser mulher e estar num ambiente fechado com um quórum elevado masculino para sentir isso. Ontem, por exemplo, eu tive que falar para 4 homens, numa sessão solene do TJRS, com uma toga ridiculamente uns cinco números maiores (evidentemente feita para homens) e ar pesava dessa vontade...
E é isso que tem de ser visto. O ato grotesco praticado contra a escrivã é escancarado. Mas e os atos dissimulados do cotidiano?
Por fim, com profunda tristeza, observo que a cultura misógina encontra-se em alguns comentários. Como diz o Caetano Veloso: "VOCÊS NÃO ESTÃO ENTENDENDO NADA".

Adriano Rodrigues Laignier disse...

Prezados colegas, antes de mais nada, quero lhes informar que sou pai de uma linda garotinha de 4 anos. Como gênero sou minoria em minha casa. Agora, não podemos fazer dos homens, como querem dizer, detentores de uma cultura masculina de uma espécie, tipo, coisa ruim, onde a vítima é a mulher. Há de fato, inclusive é natural ao mundo irracional, animais e vegetais, perspectivas físicas, biológicas, psíquicas relacionados a machos e fêmeas. Portanto, tanto de um lado com de outro, dentro das referidas perspectivas, existem atos bons e maus, ambos, decorrentes da natureza de cada um. O que não concordo é com motes que pedem mais para machos. No campo da "vontade", da "sexualidade" a mulher também tem seus venenos. E eles, estão mais ligados a dissimulação, obviamente, por causa de sua natureza feminina. Para isso, leiam o artigo: Mulheres Canalhas, escrito por Ivan Martins, o li no blog do Noblat. Por fim, penso que nesta "seara" sexual somos iguais na proporção de nossas diferenças.

Clarissa de Baumont disse...

transcrevo algo genial que me disseram(preservando a identidade da fonte):
"a maioria dos homens pensa que misógino é um homossexual enfurecido que odeia mulher e não pode nem chegar perto.
é bem o contrário... os homens heterossexuais são em muitos casos extremamente misóginos porque não conseguem vivenciar a sua própria feminilidade.
porque nós todos temos as duas coisas.
mas como o nosso mundinho se sustenta nessa divisão artificial e principalmente na centralidade da masculinidade... os homens manifestam ódio às mulheres como forma de purgar-se da feminilidade.
é que os homens heterossexuais acham que é assim 'eu não tenho ódio de mulher, eu adoro mulher, eu adoro foder mulher!' -
e isso já é misógino,
porque apreciar alguém está muito mais relacionado a respeitá-lo do que a ter vontade de fodê-lo..."

Anônimo disse...

"No campo da "vontade", da "sexualidade" a mulher também tem seus venenos. E eles, estão mais ligados a dissimulação, obviamente, por causa de sua natureza feminina." (trecho de um comentário ao post)

Fundamentar, o que quer que seja, numa suposta "natureza" (seja feminina ou masculina), e, pior ainda, dizer que os "venenos" da mulher estão ligados à dissimulação "obviamente" por conta dessa tal natureza denunciam que, no mínimo, o lugar de fala do autor do comentário é complemente diferente daquele do autor das postagens e da maior parte dos comentários do blog e que não seria surpresa se ele, apesar de ter lido, não tivesse entendido realmente a respeito do que está se falando.

Achei muito interessante a tua ideia, Salo, sobre a "vontade de estupro", pois, para mim, serviu para pensar por uma outra perspectiva esses episódios de violência de gênero. Sem dúvida, naquele ato, a mulher deixou de ser humana para ser vista somente como um objeto a ser investigado e que poderia, portanto, ser dominado e manipulado da forma como fosse a vontade de seus agressores. Aquela mulher estava "nua" muito antes de tirarem a sua roupa, pois só despindo-a de qualquer respeito e dignididade que poderiam ter feito aquilo com ela.
Para mim, não se trata de discutir se o mesmo fato teria ou não acontecido se a vítima fosse um homem. No entanto, o fato dos agressores serem homens e a vítima ser uma mulher que foi despida indica, sim, que há uma questão de gênero inseparavelmente ligada à violência cometida.

Guilherme de Souza disse...

Fui eu quem fez o comentário acima. Estava logado no Wordpress e saiu com a ID do meu blog.