Em nenhum momento, no rito do processo penal, é permitida a construção de um espaço de escuta e de aproximação entre os verdadeiramente envolvidos. Aquelas pessoas que realmente importam: vítima e autor do fato.
O processo penal se transformou em um palco protagonizado pelos atores jurídicos: juízes, delegados, advogados, promotores.
Réu e vítima são coadjuvantes, secundários.
Os abolicionistas foram os primeiros a perceber como o processo artificializa, burocratiza e profissionaliza o trauma social que é o evento delitivo (a situação-problema, na terminologia abolicionista).
Os abolicionistas foram os primeiros a dizer que é fundamental escutar as vítimas e tentar, na medida do possível, reparar o dano.
Os abolicionistas foram os primeiros a tentar criar mecanismos de restauração dos elos sociais e interpessoais rompidos pelo crime.
E foram os abolicionistas que chamaram a atenção para o fato de que o processo é um problema e não a solução.
No caso de Santa Maria, os holofotes que iluminam os atores processuais (delegados, promotores, advogados e juízes) ofuscam a compreensão de algo bastante simples: a necessidade de construção de um espaço (fora do processo e sem a intermediação dos atores processuais) para que vítimas, familiares e acusados possam expor seus dramas e, quem sabe, minimizar os efeitos do trauma. Trauma que atinge a todos, inevitavelmente.
Mas nada disso é possível no jogo de culpabilizações e de vaidades do processo penal. A obsessão pela verdade do passado impede qualquer possibilidade de viver o presente e projetar um futuro menos doloroso.
Triste, mas é esta a miséria do processo: um procedimento para os atores jurídicos e não para os envolvidos no conflito.
O processo penal é um problema que não auxilia a superação do trauma. No processo, a vítima e o acusado pouco importam.